Ana Maria Cemin – Jornalista
30/12/2023 – (54) 99133 7567
A minha entrevistada é uma patriota que passou boa parte da sua vida como secretária numa empresa de tecnologia. Em dado momento, ela percebeu, através da vida escolar dos seus filhos, que teria uma missão a ser cumprida: tornar-se professora e atuar sem viés político. Queria ser uma professora “não doutrinadora”, porque percebeu que os seus filhos estavam em escolas que pautavam o comportamento e não o pensamento.
“Foi a forma que encontrei de ajudar o meu País. Em especial, as escolas particulares se revelam mais doutrinadoras do que as escolas da periferia, do governo. E é simples entender: na periferia há uma forte presença da Igreja Evangélica, que tem contribuído para educar as famílias com princípios e valores e, por decorrência as suas crianças e jovens. Isso serve como um antidoto à drogadição e às ideias enviesadas que são passadas por professores de esquerda”, me fala.
LIGAÇÃO DA FILHA
“Mãe, o William Bonner acabou de falar o seu nome e disse que você está presa por ser uma financiadora dos atos antidemocráticos”, disse a adolescente Maria Beatriz, na época com 14 anos, para a sua mãe Sheila Mantovanni, 47 anos, que foi a Brasília. Naquele momento, a manifestante estava no Ginásio da Polícia Federal. Isso era por volta das 21 horas do dia 9 de janeiro, depois de Sheila rodar por muitas horas em Brasília dentro de um ônibus. Ela foi uma das sequestradas pelo Estado Brasileiro junto com cerca de 2 mil pessoas no QG de Brasília. “Não se preocupe, minha filha, eu estou bem. Pode ficar calma”, respondeu a professora de línguas portuguesa e inglesa, moradora de Mogi das Cruzes, SP, mãe de outros dois filhos: Bruno, 20 anos; e Felipe, 30 anos.
Antes de ir a Brasília, Sheila conversou com o filho Bruno e disse que estava em dúvida se deveria ir à manifestação nacional, mas acabou sendo incentivada pelo jovem, por ele saber que a mãe gostava de participar de atos públicos e tinha ido em todas as manifestações desde 2013. No começo do ano, Bruno iniciou a vida profissional num emprego justamente no dia 9 de janeiro em São Paulo, capital, para onde se deslocava de trem. Na volta para casa, um colega perguntou: “Como está a sua mãe?”. Bruno respondeu: “Tudo certo com ela!”. Foi então que o amigo contou que tinha visto uma reportagem que informava sobre a prisão de Dona Sheila, em Brasília.
A casa de Sheila começou a cair em Mogi das Cruzes! Desde que foi presa, ela está com a sua conta-salário bloqueada, assim como as suas contas na Caixa Econômica Federal, Bradesco e Banco do Brasil. A filha Maria Beatriz passou a morar com o pai em Caieiras, município que fica a 91 km de Mogi das Cruzes, por ela não ter a menor condição de sustentá-la.
A prisão da mãe fez com que a adolescente passasse adoecida por dois meses. Não só ela. A sobrinha Mariana, 7 anos, muito ligada à Sheila, teve alteração no comportamento por não conseguir ver a tia. A criança assumiu atitudes agressivas na escola e chegou ao ponto de cortar os braços. “A Mariana não entendia que não podia me ver”, conta Sheila. A mãe da presa política também sofreu: emagreceu e, por relatos dos familiares, só voltou a sorrir quando foi anunciada a soltura da filha.
A professora Sheila ficou quatro meses presa no Presídio Colmeia. Voltou para casa no dia 6 de maio e está há sete meses com a tornozeleira eletrônica, sofrendo todas as consequências das limitações impostas numa prisão domiciliar. Não está trabalhando, pois seu contrato de trabalho de três anos com a escola do Estado foi rescindido.
Convido vocês a conhecerem a história de uma mulher, pela sua própria voz, que foi sequestrada no QG de Brasília, ficou presa e é tornozelada. Ela foi última a saber sobre a sua prisão, inclusive soube depois de seus próprios filhos.
A VIAGEM
“No dia 6 de janeiro fui para a manifestação em Brasília. Até então eu ficava na frente do Tiro de Guerra de Mogi das Cruzes. Fiquei praticamente os dois meses inteiros e aí surgiu a ideia de fazer a manifestação em Brasília e organizei um ônibus com as pessoas da minha cidade. Fiz a lista e liguei para cada um e foram pagando a sua passagem, com depósito direto na conta da empresa de ônibus.
Todo tempo em que fiquei em Brasília fiquei em contato com a minha família. Fiz a marcha dos 8 km a pé e cheguei na Praça dos Três Poderes junto com o pessoal da minha cidade. Ficamos apavorados porque tudo estava tudo quebrado. Lembro que fiz cerca de dez vídeos mostrando o que tinha acontecido. Eu dizia: “Não sei o que está acontecendo aqui. Tem gente quebrando e nós estamos segurando as pessoas que fazem isso. Estamos mostrando para a polícia para que prendam essas pessoas. Não é coisa de patriota!”.
O QG de BRASÍLIA E “TOUR” POR BRASÍLIA
Voltamos ao QG e na madrugada do dia 9 debatemos sobre ficar ou não por ali. Concluímos que estávamos seguros na área do Exército Brasileiro, afinal tínhamos passado dois meses em manifestação no Tiro de Guerra e parecia que se saíssemos dali correríamos um risco maior. A experiência do comportamento da Polícia na Praça dos Três Poderes nos assustou. Decidimos ficar e partir só pela manhã.
Quando acordamos, fomos obrigados a entrar em ônibus oferecidos pela Polícia. Antes de chegarmos ao Ginásio da Polícia Federal fomos levados a dois outros lugares. O tempo todo em que estive no ônibus fiquei conversando com o meu irmão sobre o que estava acontecendo e, talvez, isso tenha me acalmado um pouco.
Chegando ao Ginásio, procurei um local para carregar o celular. Por volta das 21 horas vi a mensagem do meu ex-marido pedindo para que eu falasse com a nossa filha, pois estava desesperada por conta das notícias que estavam rodando na TV. Falei e tranquilizei. Era por meio dos parentes que fomos descobrindo o que estava acontecendo conosco.
No ginásio, víamos as pessoas saírem para a triagem e não voltarem. Só depois da chegada dos advogados no Ginásio é que a gente passou a entender um pouco melhor do problema.
A POLÍCIA SABIA MUITO SOBRE MIM
Eu não tinha passado pela triagem quando falei com a minha filha e, ao ter contato com o delegado, fiquei boba por ele saber tantas informações sobre mim. A polícia sabia, por exemplo, que eu tinha feito o contato com a empresa de ônibus para locação, tinha o meu nome completo, meu endereço. Eu estava ali na inocência de um movimento pacífico e ordeiro, ao qual estava acostumada em Mogi das Cruzes, e na Imprensa eram divulgadas falsas informações de que eu era uma patrocinadora de algo ruim, de uma depredação da qual nunca participei e jamais apoiaria. Eu estava entrando num processo policial informado publicamente, sem ao menos eu ser comunicada disso. Fiquei com aquela sensação horrível de ser a última a saber.
Da nossa turma de viagem de Mogi das Cruzes, 13 foram presos. Na hora de assinar a Nota de Culpa, eu disse que não faria aquilo, por não fazer o menor sentido reconhecer algo que não fiz. Nisso fui comunicada que faria uma nova “viagem” antes de ir para o Colmeia. Quando perguntei o que era “Colmeia”, essa pessoa explicou que era uma prisão. “Você está dizendo que eu estou sendo presa?”, perguntei. Foi então que uma escrivã foi um pouco mais clara e disse: “Moça, veio tudo pronto do ministro Alexandre de Moraes. Eu só estou cumprindo ordens”.
Com aquela notícia assustadora, assinei o documento com data de 9 de janeiro, sendo que estávamos em 10 de janeiro. Era por volta das 7 horas da manhã. Falei com um advogado e ele me disse que não tinha o que fazer, já que ninguém tinha acesso a qualquer informação. Ele me disse não ter condições de fazer um habeas corpus.
TODO MUNDO PERDIDO
Manifestantes e advogados estavam todos perdidos naquele Ginásio da PF. Na Polícia Federal, a gente ouvia as pessoas andando de um lado para o outro dizendo: “O Alexandre de Moraes está louco. Ele está apreendendo todo mundo. Não tem o que fazer”. Estávamos todos em estado de choque, vencidos pelo cansaço. Era terça-feira, dia 10 de janeiro, final da manhã e fui conduzida para pegar um ônibus para ir ao Instituto Médico Legal (IML).
Após passarmos pelo delegado de polícia, todos nós ficamos num auditório, uma espécie de teatro chamado de arena. Todos com fome, com sede. Entramos nesse local por volta das 8 ou 9 horas da manhã. Em determinado momento vi um advogado jovem e pedi para que ele gravasse aquela situação e denunciasse aos Direito Humanos aquele estado desumano em que nos encontrávamos desde que tínhamos saído do QG em frente ao quartel. Um delegado de polícia me disse: “Se a senhora não calar a boca vou tirar a senhora daqui e vai ser autuado por mais um crime”. Eu não entendi nada e disse: “Crime! Que crime eu cometi?”.
COLMEIA
Chegamos ao presídio Colmeia por volta das 21 horas e eu estava em estado de choque porque não tivemos Audiência de Custódia. Nós sabíamos que não tinha motivo para estamos presas. Do lado de fora do presídio, notícias ruins a nosso respeito eram propagadas, mas nós estávamos alheias a tudo. Sem qualquer informação ou contato com o mundo exterior naquela primeira semana. Não tínhamos roupas, toalhas de banho ou papel higiênico. Vivemos algo absurdo num Brasil que se diz democrático, com uma Constituição que prevê os direitos e deveres dos cidadãos.
Os primeiros contatos com os advogados eram tão rápidos, cerca de 15 minutos, que mal podíamos saber do processo, quanto mais da situação de nossos familiares. Fui para uma ala especial, junto com outras patriotas que tinham curso superior, mas até sair passei pelas três alas destinadas às presas políticas.
Na Ala Delta, por exemplo, só tinha um vaso que funcionava para mais de uma centena de presas. Só um chuveiro e, ainda, teve um dia que quebrou o tal chuveiro. Vivemos uma guerra psicológica lá dentro, com as carcereiras nos dizendo que aquilo não era um hotel e que devíamos nos contentar com os poucos pingos de água que saiam daquele cano.
Meu esforço era no sentido de manter a calma. Via mulheres muito mais frágeis do que eu. Choravam muito. Determinei foco para sobreviver, mas era complicado. Quando começaram a sair patriotas e eu fui ficando, então lembrei do Deputado Federal Daniel Silveira e coloquei na minha cabeça que eu ficaria presa pelo menos um ano. Reduzi as expectativas para não sofrer.
O CONSTRANGIMENTO DAS REVISTAS ÍNTIMAS
Nunca fui do tipo de entrar em brigas, então tudo que aconteceu a partir da prisão foi constrangedor para mim e para as outras patriotas. Quem vive no mundo da bandidagem também não se importa em passar por revista íntima. Sempre que éramos chamadas para falar com o advogado, para psicóloga ou atendimento de saúde sempre tínhamos que levantar a blusa, baixar a calça e a calcinha. E íamos algemadas. Lembro de uma senhorinha que preferia passar mal a ser algemada. Só não passávamos pela revista íntima quando íamos para o banho de sol.
Outra coisa complicada para nos acostumar era com os gritos das carcereiras. Eram constantes porque não sabíamos como nos portar: mãos para trás, cabeça baixa e nunca olhar nos olhos. Seguidamente errávamos, então era certo que ouvíamos desaforos aos gritos.
DEMITIDA POR CAUSA DE UMA POSTAGEM
Eu atuava numa escola particular em Mogi das Cruzes dando aula de línguas. Nunca tratei de política em sala de aula, porém eu sempre coloquei as fotos das manifestações em minhas mídias. De volta às aulas depois do 7 de Setembro de 2022, uma aluna me convidou para fazer um vídeo com ela com o refrão “Vota, vota e confirma. 22 é Bolsonaro”. Ela colocou no Instagram e foi o suficiente para escola tentar uma demissão por justa causa. Não aconteceu, por óbvio a justa causa, mas fui demitida.
Na escola pública onde trabalhava era comum ter professores de esquerda dando indiretas pelo fato do saberem que eu sou de direita. Numa ocasião, uma colega se irritou ao ver o meu protetor de tela do telefone celular com foto do Bolsonaro e saiu dizendo: “Eu acho até bom quando um branquinho morre por causa de um celular, porque os negros sempre sustentaram o País”. Saiu do nada o tal comentário e ela seguiu me agredindo na sala dos professores na frente dos colegas. Até os professores de esquerda ficaram indignados com a atitude e a direção veio pedir desculpas. Também sai dessa escola quando fui presa. A gestão se antecipou em tentar rescindir o contrato por e-mail, antes mesmo da reunião de planejamento do ano. Ou seja, precipitou-se. Havia pressa em se livrar de mim, atendendo as pressões da esquerda.
MEDO DE PERDER O PAI
Na cadeia, eu temia não poder ver mais o meu pai, que tem 78 anos. Fiquei com medo de nunca mais o ver vivo. A situação era tão crítica que em abril eu ainda não sabia quais as condições de vida da minha filha que hoje tem 15 anos. Não sabia se estava em casa, com meu filho Bruno, se estava com o pai ou com a vó. Com a visita de uma advogada que fazia visitas humanitárias eu fui informada a respeito dela e que estava tudo bem. O meu caminho, a partir de agora, é seguir dando aulas, quero a minha filha de volta em Mogi das Cruzes e me envolver em projetos de educação que ajudem as crianças e adolescentes a pensarem livremente, sem doutrinação.”
Que situação absurda! Creio na justiça divina, essa não falha nunca! Deus a abençoe e lhe dê muita força e saúde, é o que desejo a vc e aos demais patriotas que passaram ou estão passando por tudo isso…lamentável…