Ana Maria Cemin – 24/10/2024
A rotina de Vanessa Rodrigues da Conceição, em Belo Horizonte, MG, é marcada por desafios que vão muito além da média. Mãe de duas crianças sob guarda exclusiva, dona de um pet shop ao lado da casa alugada e ré em um dos processos mais controversos da história recente do Brasil, ela vive entre a responsabilidade de sustentar sua família e o medo constante de ser levada novamente pela Justiça.
Vanessa mora na divisa entre Belo Horizonte, Contagem e Ibirité. Essa geografia complexa se tornou um pesadelo desde que passou a usar tornozeleira eletrônica. “Se eu atravesso a rua, ela apita. São três notificações só por passar para o outro município”, conta. O monitoramento é rígido: além da tornozeleira, ela recebe ligações e mensagens automáticas no celular sempre que há uma suposta violação.
MÃE EM TEMPO INTEGRAL
Com a guarda unilateral dos filhos, Vanessa arca sozinha com todas as responsabilidades: educação, saúde, alimentação. O pai contribui com pensão, mas “todo o peso está sobre mim”, diz. A loja de pet shop, que funciona ao lado de sua casa, é sua única fonte de renda. “Graças a Deus que é aqui, porque se eu tivesse que me deslocar, não daria para manter o negócio. Meu maior movimento é no sábado, justamente o dia em que estamos proibidos pelo STF de nos afastar de casa.”
PROCESSO E ACORDO RESCINDIDO
Vanessa fez um acordo judicial em fevereiro de 2024, que incluía a retirada da tornozeleira eletrônica e o pagamento de parcelas mensais. Conseguiu quitar duas parcelas, mas depois a renda não permitiu continuar. “Ou eu comia, ou pagava a parcela.” O Acordo de Não Persecução Penal foi rescindido, segundo ela, por supostas novas provas encontradas em seu celular — uma foto não identificada que teria sido tirada no dia 8 de janeiro. “Eu subi na rampa, fiz algumas selfies, mas não entrei em nenhum prédio. Não participei de nenhum ato de vandalismo.”
O argumento oficial é que ela teria saído do contexto do ANPP. “Nem meu ex-advogado sabe que foto é essa. Não explicaram. Só disseram que surgiram novas provas.”
MEDO CONSTANTE
Vanessa já ficou presa por 62 dias, depois de ser sequestrada pelo Governo quando estava acampada junto com mais de 2 mil pessoas no dia 9 de janeiro de 2023, em Brasília. De lá, foi para o presídio junto com mais de mil pessoas. “Conheci Alexandre de Moraes no presídio Colmeia, dentro da cela das mulheres patriotas. Frio, o ministro não olhava nos olhos de ninguém. Parecia um psicopata.” Hoje, Vanessa vive com medo de ser levada novamente. “Avisei a minha filha: se prepara, porque eu não sei se eles vão me levar.”
Ela relata que as violações da tornozeleira não são analisadas por juízes locais, mas encaminhadas diretamente ao ministro Alexandre de Moraes. “Ele nem lê. Só manda prender.”
DEFESA E ESPERANÇA
A advogada Tanieli Telles de Camargo Padoan assumiu o caso recentemente. Ainda está se inteirando dos detalhes, mas Vanessa deposita nela sua esperança. “Ela está lutando com afinco. Porque, fora isso, ninguém faz nada. Nenhum parlamentar, nenhum político. Estamos abandonados.”
Vanessa não está sozinha em sua percepção. “Todos os presos do 8 de janeiro se sentem esquecidos”, conclui.
🔹 Decisão Final (22/08/2025)
O Ministro Alexandre de Moraes determinou:
- Rescisão do ANPP com perda dos valores pagos e horas de serviço prestadas.
- Retorno da ação penal ao trâmite regular, porém não mais acusada de 2 crimes, mas de 5 crimes, que têm levado a penas de 14 a 17 anos em regime fechado.
- Restabelecimento de medidas cautelares:
- Recolhimento domiciliar noturno e fins de semana com tornozeleira eletrônica.
- Apresentação semanal ao juízo.
- Proibição de sair do país e entrega de passaportes.
- Cancelamento de passaportes e documentos de porte de arma.
- Proibição de uso de redes sociais.
- Proibição de contato com outros envolvidos.
- Advertência: Descumprimento implicará decretação de prisão.
Importante: O STF divulga ter homologado 552 acordos com os manifestantes do 8 de janeiro, porém não apresenta quantos destes acordos já foram rescindidos, nem que essas mesmas pessoas passaram de acusações de 2 crimes para 5 crimes, bastando ter uma foto no gramado da Praça dos Três Poderes em seus celulares. Uma imagem de presença numa manifestação representa, para o STF e PGR, comprovação de envolvimento em golpe de estado armado e é motivo para condenar as pessoas de 14 a 17 anos de prisão em regime fechado.
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