
Ana Maria Cemin – 2/08/2025
Em um momento marcante da reviravolta jurídica nos casos relacionados aos eventos de 8 de janeiro de 2023, duas brasileiras exiladas no exterior retornam ao país após firmarem Acordo de Não Persecução Penal (ANPP) com o Estado. Ambas foram defendidas pela advogada Kelly Maria Silva de Espíndola, que protagonizou negociações decisivas para viabilizar os acordos junto ao Supremo Tribunal Federal (STF) e à Procuradoria-Geral da República (PGR).
Os processos envolvem acusadas de incitação ao crime e associação criminosa — classificados pelo STF como de menor gravidade em comparação ao grupo que recebeu acusações mais severas, como o de tentativa de golpe de Estado armado. Segundo o governo atual, esse grupo inclui pessoas que estavam dentro dos prédios públicos quando foram presos, recebendo penas de até 17 anos. Já as exiladas E. V. J. e Edilaine da Silva Santos integravam o grupo que permaneceu do lado de fora e foram indiciadas por dois crimes. São esses réus que podem pleitear o acordo.
“Consegui formalizar o ANPP abrindo negociação com a PGR e, após a homologação, elas saíram dessa situação jurídica complicada. No processo, propus uma contraproposta à PGR, inclusive em relação aos valores, que inicialmente estavam em R$ 5.000,00. Consegui negociar a redução para meio salário-mínimo, parcelado em quatro vezes. Para fundamentar a solicitação de redução, incluí no processo a declaração de hipossuficiência financeira; os três últimos extratos bancários; a carteira profissional, demonstrando situação de desemprego ou ausência de vínculo empregatício; e declaração de isenção do Imposto de Renda. Esses anexos foram essenciais para justificar a diminuição do valor e viabilizar o acordo”, explica a advogada.
O RETORNO DE E.V.J. AO BRASIL
Após fugir pelo Paraguai e viver meses à deriva na Argentina, E. V. J. enfrentou adversidades extremas: foi roubada, dormiu ao relento e perdeu as esperanças. A virada aconteceu quando Dra. Kelly assumiu seu caso no mês de abril de 2025. Correndo contra o tempo — o julgamento já estava marcado para 25/04 — Dra. Kelly trabalhou inclusive no dia do seu aniversário para obter a suspensão da sessão plenária e firmar o ANPP. A decisão favorável foi assinada em 24/04 pelo Ministro Alexandre de Moraes, determinando a revogação da prisão preventiva, a retirada da ação penal da pauta e sobrestamento do processo até o cumprimento do acordo.
Diante do sucesso do acordo, a exilada Edilaine da Silva Santos também entrou com o processo para homologação do ANPP. Assim como outros tantos acusados de dois crimes, cuja pena não implica em privação de liberdade, Edilaine havia se exilado com receio das penalidades graves. A partir de agora ela cumprirá as cláusulas do acordo: prestação de 150h de serviço comunitário, pagamento de multa em 4 parcelas, participação em curso sobre Estado de Direito e proibição de uso de redes sociais abertas. A ordem de prisão foi excluída do sistema do BNMP e as medidas cautelares foram revogadas.
Segundo Dra. Kelly, esses acordos não foram fáceis de aceitar pelas suas clientes, já que envolvem a admissão formal de condutas que elas afirmam não terem praticado. “Precisamos salvar vidas e reintegrar essas pessoas em seus núcleos familiares. Devolver a esperança perdida”, afirma a advogada.
Ambos os casos simbolizam não apenas a capacidade de negociação da advogada, mas também a ressignificação de destinos de mulheres que viveram o exílio político — com retorno garantido por uma alternativa legal que, embora polêmica, abriu portas para novas possibilidades.
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