
Ana Maria Cemin – 12.09.2025
Há fenômenos políticos e sociais que marcam profundamente um determinado período histórico. Quem os vivencia, por estar imerso nos acontecimentos, muitas vezes não tem o distanciamento necessário para refletir sobre a grandiosidade do que está ocorrendo. Mesmo assim, é possível perceber o divisor invisível entre o “antes” e o “depois” sinalizando que nada poderá ser igual a partir de então. Eventos como a pandemia de COVID-19, a queda do Muro de Berlim ou os ataques de 11 de setembro são exemplos emblemáticos de rupturas que redefiniram paradigmas globais.
É nesse contexto de transformação social e denúncia que se insere a obra literária do consagrado Luís Dill, gaúcho como eu. Embora não se proponha a utilizar uma lente historiográfica, o autor bebe em fontes de registros dos acontecimentos atuais não divulgados pelas instituições oficiais.
Sua narrativa mergulha no imaginário de um presídio brasileiro que, pela primeira vez, recebe centenas de mulheres que não são criminosas, tampouco ativistas políticas. São avós, mães e filhas. Gente comum. Ficha limpa. Ainda assim, estão encarceradas. Seguem todas as regras do sistema prisional, têm seus bens confiscados e seus salários e aposentadorias retidos pelo governo. Suas vidas são inviabilizadas.
O olhar narrativo é conduzido por um homem que testemunha, com crescente angústia, a destruição emocional e financeira dessas mulheres – a maioria idosas ou em idade madura. Dill revela, com crueza e sensibilidade, a dimensão do humano perdido em meio às narrativas políticas e aos jogos de poder. Quem sofre são inocentes, sem direito a julgamento digno, abandonadas até pelos próprios advogados, também reféns do sistema, cujas prerrogativas são ignoradas pelo Judiciário e silenciadas também pela OAB nacional.
A novela de Dill configura-se como uma obra de denúncia social, que se inscreve na tradição de autores como Graciliano Ramos, em Memórias do cárcere, e José Saramago, em Ensaio sobre a lucidez. Como esses mestres, Dill constrói uma narrativa que transcende o caso individual para revelar os mecanismos de opressão institucional, a fragilidade da justiça e a corrosão da dignidade humana. Sua escrita convoca o leitor a enxergar o presente com olhos críticos, conscientes de que estamos vivendo acontecimentos que, no futuro, serão reconhecidos como um marco histórico, em que a sociedade revê sua postura e muda o rumo dos acontecimentos.
Recomendo fortemente a leitura deste texto, escrito enquanto o redemoinho dos acontecimentos é exasperante. Ler a obra de Dill foi um reencontro com sentimentos que carrego desde o início dessa jornada. Como uma das pessoas que acompanha de perto a situação dos presos políticos do 8 de janeiro, com diversos textos publicados em meu site (https://bureaucom.com.br), posso dizer que esta leitura me tocou profundamente.
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Sobre o autor
Luís Dill nasceu em Porto Alegre em abril de 1965. É formado em Jornalismo pela PUC/RS e tem Pós-graduação lato sensu em Literatura Brasileira. Como escritor estreou em 1990 e tem mais de 70 livros publicados. Entre suas premiações estão o Açorianos de Literatura e o Biblioteca Nacional.
Alguns de seus títulos já foram adquiridos pelo governo federal e por administrações municipais e estaduais. Vários receberam o selo Altamente Recomendável da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil, e fazem parte de seu acervo básico.
Em sua atividade de escritor, participa de feiras do livro e de variados tipos de encontros com leitores em escolas e universidades. www.luisdill.com.br
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