
Por Ana Maria Cemin – 18/07/2025
A professora aposentada Maria do Carmo da Silva, de 62 anos, vive um dos capítulos mais sombrios de sua trajetória. Condenada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) a 14 anos de prisão por envolvimento nas manifestações ocorridas em Brasília em 8 de janeiro de 2023, ela enfrenta não apenas o peso da sentença, mas também o colapso de sua saúde mental. Após cumprir parte da pena em prisão domiciliar, Maria do Carmo encontra-se agora internada em um hospital psiquiátrico vinculado ao sistema prisional.
Pedido de prisão domiciliar e posicionamento do STF
A defesa, liderada pelos advogados Felipe Ubiratan Soares de Oliveira e Mattheus Urbanek, solicitou a concessão de prisão domiciliar humanitária, com base em relatório técnico que afirma que a apenada não necessita mais de internação hospitalar e que seu tratamento psiquiátrico pode ser mantido em casa, próximo à família, na cidade de Tangará da Serra/MT, por meio do CAPS local.
Em atenção ao pedido, o ministro Alexandre de Moraes requisitou à Secretaria de Estado de Justiça de Mato Grosso (SEJUS/MT) um parecer clínico e psiquiátrico conclusivo. Em resposta, no dia 16 de julho, a Secretaria Adjunta de Administração Penitenciária informou que Maria do Carmo foi avaliada por médicos especialistas em saúde mental e clínica geral. Atualmente está internada no Hospital Psiquiátrico CIAPS Adauto Botelho, referência estadual em saúde mental forense, cuja avaliação concluiu que:
– O sistema prisional não possui estrutura adequada para oferecer o suporte necessário.
– A medicação está sendo fornecida pela própria unidade hospitalar.
– Existem indícios claros que justificam sua permanência na unidade psiquiátrica.
O documento assinado pela secretária Hermínia Dantas de Brito foi encaminhado à Procuradoria-Geral da República para manifestação, com forte tendência de que Maria do Carmo continue internada no hospital psiquiátrico, e o pedido da defesa para domiciliar seja indeferido.
O 8 de Janeiro: Fé e brutalidade
Maria do Carmo chegou à Praça dos Três Poderes com um grupo de católicos, carregando uma Bíblia aberta. Segundo seu relato, foi surpreendida por um cenário de guerra: helicópteros sobrevoando baixo, bombas de efeito moral e balas de borracha. Para se proteger, entrou no Palácio do Planalto, onde presenciou cenas de violência policial contra manifestantes desarmados. “A Tropa de Choque agiu com terror. O Exército não nos defendeu. Eles sabiam que éramos inocentes”, disse em entrevista.
Ela afirma que não participou de atos de vandalismo e que sua presença no local foi motivada pela fé e pelo desejo de uma manifestação pacífica. “Minha arma era a Bíblia”, declarou.
O inferno no Presídio Colmeia
Após a sua prisão, ainda em 8 de janeiro de 2023, Maria do Carmo foi levada ao Presídio Colmeia, onde enfrentou um grave colapso emocional. Relatos de colegas de cela apontam comportamento suicida: recusava-se a comer, tomar banho ou se levantar. Pedia medicações para dormir em doses excessivas e chegou a bater a cabeça contra a parede, provocando hematomas graves.
Foi então internada em uma ala psiquiátrica, que testemunhas descrevem como um “hospício”, onde foi medicada com substâncias sedativas. É importante ressaltar que antes da prisão, Maria do Carmo não possuía diagnóstico psiquiátrico. O ambiente prisional agravou seu estado, levando a quadros clínicos de transtorno de estresse pós-traumático, depressão profunda e ansiedade generalizada.
Julgamento e condenação
Maria do Carmo foi julgada em instância única pelo STF, sem direito a recurso. A sentença foi proferida virtualmente e determinou o cumprimento da pena em regime fechado, além de multa e indenização solidária de R$ 30 milhões com outros réus.
A defesa argumenta que, além de idosa e doente, a ré sempre respeitou as medidas cautelares durante a prisão domiciliar, incluindo o uso de tornozeleira eletrônica e saídas apenas para tratamentos médicos.
Uma vida dedicada à educação
Antes dos eventos de 2023, Maria do Carmo era reconhecida por sua atuação como professora. Lecionou para populações indígenas, especializou-se em projetos educacionais e desenvolveu cursos online. Ela desenvolveu projeto “Restauração do Casarão do Marechal Cândido Rondon”, um prédio tombado como patrimônio histórico-cultural em Mato Grosso.
Hoje, essa mulher que dedicou décadas à educação encontra-se fragilizada e esquecida em uma instituição psiquiátrica. A defesa insiste que sua condição exige humanidade e que a execução da pena em casa é a única forma de preservar sua vida.
Depoimentos de colegas de cela
Várias mulheres presas em 8 de janeiro, que dividiram cela com Maria do Carmo, relembram a fragilidade da professora:
– Luciana Di Palma: “Ela tentou suicídio várias vezes. Usava superdosagens para dormir. Chorava e gritava.”
– Fátima Prearo Corrêa: “Ficava até dez dias sem banho. Sofria demais, ainda mais depois da morte da mãe.”
– Fabiana Sanches do Prado: “Ela entrou no Palácio para se proteger, não tocou em nada. Estou arrasada em saber que voltará para o presídio.”
– Lucenir Bernardes da Silva: “Ela me lembrava minha mãe. Uma mulher espetacular.”
– S.A.O.: “Disse que se não saísse até julho de 2024, iria se matar. Ela não tem condições de estar presa.”
– Tatiane Marques: “Se ela voltar, vai enlouquecer. É frágil demais.” (depoimento dado antes de Maria do Carmo ser novamente presa)
– Jeniffer Martins: “Ela dizia que ia se matar. Era difícil fazê-la comer.”
– Sintya Erthal: “Gostava de cantar louvores.”
– Fabíola Rocha da Silva: “Era amorosa. Guardo até hoje um bilhete que ela me deixou.”
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