
Ana Maria Cemin – 02/07/2025
O empresário Rodrigo Raul Pereira Tara, 44 anos, foi condenado a 14 anos de prisão pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no mês de junho. Sua defesa tenta embargos, mas a tendência é ser recolhido pela Polícia Federal para algum presídio próximo de sua cidade, Indaiatuba, SP, após o trânsito em julgado da sentença.
Rodrigo é apenas um dos milhares de manifestantes que foram a Brasília no início de janeiro de 2023, no entanto ele está entre as centenas de acusados pela Procuradoria-Geral da República e condenados pelo STF por cinco crimes.
Essa situação só ocorreu mais de um ano depois de 8.01, a partir do monitoramento de suas redes sociais. Bastou identificar uma foto publicada no seu perfil do Instagram, na qual ele está em frente ao Congresso Nacional, para ser considerado um perigoso golpista armado. A foto foi feita por um fotógrafo da Agência Brasil e esteve numa exposição. Ele entendeu que poderia reproduzir.
O mais incrível da história de Rodrigo é esse lapso temporal entre o 8.01 e a notificação recebida somente em 20 de março do ano passado. Depois disso, o processo andou rapidamente e, praticamente, não há mais o que fazer a não ser ele tornar público a sua própria defesa, revelando as inconsistências da acusação, e esperar que a justiça aconteça no Brasil. Talvez pela anistia, se ela efetivamente for levada à sério pelo Congresso Nacional.
“Eu fui envolvido nos atos daquela data e agora estou enfrentando uma condenação de 14 anos. Gostaria de compartilhar os principais trechos do voto que sustentam essa condenação e, em contrapartida, apresentar a minha defesa, que demonstra claramente uma série de discrepâncias e incoerências. Ressalto que não existem provas materiais que sustentem as acusações contra mim. Os fatos narrados não condizem com a realidade, e a minha participação foi absolutamente passiva, sem envolvimento em qualquer ato de violência, depredação ou incitação”, destaca o empresário.
O material que segue contém parte do dossiê criado pelo próprio condenado, mostrando a realidade dos fatos, em contraponto às justificativas do voto dos ministros para a sua condenação.
⚖️ Fundamentos da condenação no voto do relator
O ministro Alexandre de Moraes baseou a condenação de Rodrigo em um conjunto de provas que, segundo ele, caracterizam participação ativa nos crimes investigados:
- Crimes imputados: associação criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, tentativa de golpe de Estado, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado.
- Evidências usadas: Publicações no Instagram com imagem feita em 8.01, como a frase “O povo está em casa. A casa é do povo” – imagem do Congresso.
- Apontamento de que ele teria sido atingido por bala de borracha na tentativa de se aproximar do STF.
- Declarações e interrogatório na Polícia Federal indicam que ele viajou com o objetivo de participar dos protestos.
🛡️ Argumentos centrais da defesa apresentados por Rodrigo
O documento reúne diversas alegações de inconsistência nas acusações:
- Rodrigo afirma que foi a Brasília para turismo e participou de manifestação por entender que seria pacífica.

- Postagens suas mostram pessoas apenas do lado de fora dos prédios públicos.

- Ele nega ter adentrado ou depredado qualquer edifício.
- Diz que não há provas materiais (vídeos, fotos ou testemunhos) que o coloquem dentro das sedes invadidas.

- A foto que usaram como prova foi tirada por um fotógrafo da Agência Brasil e exibida em exposição no Senado — o que, segundo ele, retira o caráter criminal da imagem.

- Ele alega estar no hotel no horário em que ocorreram as invasões (há até comprovante de pedido de comida via iFood).

🔎 Pontos de tensão e incoerência
- Horário do almoço: o recibo do pedido no Flat HPlus Vision indica horário de refeição por volta das 14h50 às 15h41, o que coincide com o momento de maior violência — se validado, isso pode levantar dúvidas sobre sua real presença no local dos crimes.

- Frase nas redes sociais: a postagem com “O povo está em casa” é ambígua. A acusação a interpreta como incitação, mas a defesa sustenta que é expressão simbólica do direito à representação política.
- Ausência de provas diretas: não há imagens ou testemunhas colocadas no dossiê que provem sua entrada nos prédios públicos. Isso pode levantar discussão sobre o peso da presunção de autoria coletiva, frequentemente criticada por juristas.

OPINIÃO:
Quando a Justiça Coletiviza a Culpa: o caso Rodrigo Raul Pereira Tara
A condenação de Rodrigo Raul Pereira Tara a 14 anos de prisão pelo Supremo Tribunal Federal (STF), em razão dos atos de 8 de janeiro de 2023, reacende um debate fundamental: até onde pode ir o poder punitivo do Estado diante de crimes cometidos por multidões? O caso é um microcosmo da tensão entre o necessário enfrentamento à violência ocorrida no 8.01 e a preservação das garantias individuais que sustentam o estado brasileiro.
Rodrigo admite ter viajado a Brasília naquele domingo de verão. Declara que estava em férias e que participou de uma manifestação que, à primeira vista, lhe parecia pacífica. Não há imagens ou testemunhos confirmando que ele tenha entrado no Congresso, depredado estruturas públicas ou incitado à violência. Há, no entanto, postagens nas redes sociais com frases simbólicas e um registro fotográfico feito por um profissional da Agência Brasil. Isso foi suficiente para sustentá-lo como réu, executante e, nas palavras do relator, instigador do levante.
É aqui que mora o problema. Ao recorrer à teoria do “crime multitudinário”, o Supremo abre espaço para uma responsabilização coletiva que, apesar da gravidade das depredações dos prédios, dilui a individualização das condutas — princípio basilar do direito penal democrático. Se todos que estiveram próximos da Esplanada naquele dia forem considerados golpistas, então estaremos não apenas punindo culpados, mas também cerceando o dissenso e criminalizando manifestações que escapam à narrativa dominante.
O dossiê apresentado por Rodrigo, com comprovantes de sua presença no hotel durante os atos de invasão e a ausência de provas materiais diretas, levanta questionamentos legítimos. A Justiça não pode se contentar com indícios simbólicos ou discursos interpretados fora de contexto. O devido processo legal exige mais: provas concretas e proporcionalidade na pena.
Não se trata aqui de minimizar os ataques de 8 de janeiro. Eles foram graves, devem ser efetivamente investigados e quem depredou merece uma resposta condizente. Isso vale não só para o 8.01, mas para todos os atos que envolvem destruição do patrimônio público. A punição está prevista em nossa legislação.
A democracia, para se proteger, não pode deixar de ser democrática. Condenar um homem com base em sua presença e discurso, sem evidência direta de sua ação violenta, pode ser mais perigoso para as instituições do que as ações de turbas que atacaram o patrimônio público ao longo da história de nossa República. E foram várias as situações.
O caso de Rodrigo deve servir de alerta: que o combate ao extremismo – seja ele de direita, esquerda ou centro – não custe à democracia o que ela tem de mais valioso — o direito de ser julgado não como parte de um coletivo, mas como indivíduo.
Publicar comentário