Ana Maria Cemin – 06/11/2025
Marisa Fernandes Cardoso, 57 anos, é professora com formação nas línguas portuguesa e inglesa, e leciona na rede estadual de ensino em Guaratinguetá, SP. Mãe de duas filhas e avó de um menino de 12 anos, ela começou a dar aulas aos 18 anos como professora eventual, preenchendo lacunas nas escolas públicas até ser efetivada por concurso em 2005. Com uma trajetória marcada pela dedicação à educação, Marisa sempre acreditou na força da palavra e na importância da formação cidadã.
A sua vida tomou um rumo inesperado em janeiro de 2023, quando decidiu embarcar para Brasília, acreditando que poderia contribuir pacificamente com um movimento que, para ela, representava um clamor democrático. “A ideia era ficar na capital federal até terça-feira. Inclusive, acreditávamos que a manifestação pacífica poderia ser retomada mesmo após o que aconteceu na Praça dos Três Poderes”, conta.
O ônibus que a levou até o QG do Exército em Brasília foi organizado por uma patriota local e chegou na manhã do dia 8 de janeiro. A viagem, que normalmente levaria 14 horas, durou 22, com paradas em diversas cidades para embarcar outros manifestantes. Naquele dia, Marisa não desceu à praça porque estava com dor numa das pernas, e ficou muito surpresa quando uma colega de viagem retornou ao final da tarde com o rosto todo vermelho, queimado pelos gases lançados pelo policiamento.
No dia seguinte, Marisa viu o acampamento se esvaziando na medida em que as pessoas entravam nos ônibus oferecidos pelo policiamento. Ela permaneceu no grupo que ficou por último. “Em dado momento, éramos poucos no QG e fomos cercados pelos policiais e escoltados até os ônibus”, relata. Marisa foi levada para a triagem no Ginásio da PF (conhecido como Campo de Concentração) e, na madrugada do dia 10 de janeiro chegou no Presídio Colmeia, onde permaneceu por 49 dias em regime fechado, sem saber o que estava acontecendo.
Apesar do impacto da prisão, ela afirma que o pior não foi estar lá, mas viver hoje como uma presa política numa sociedade cada vez mais desinformada sobre a verdade. “A minha prisão foi um retiro espiritual forçado. Fizemos orações, nos apoiamos. O Espírito Santo esteve presente. O mais difícil veio depois.”
Dentro do presídio, Marisa encontrou apoio entre outras mulheres que compartilhavam da mesma fé e visão política. “A pastora que conheci lá me acompanha até hoje. As palavras que recebemos da Bíblia me sustentam até hoje.”
Desde que voltou às aulas, Marisa usa tornozeleira eletrônica. “Os alunos reparam mais nela do que eu. Só uso calça comprida agora. Nunca tive tantas calças como hoje”, diz. O acessório, além de físico, tornou-se simbólico: um sinal de julgamento constante.
Ela relata ter sido atacada por dois alunos. Um deles chegou a chamar a polícia, acusando-a de racismo. “Foi a pior situação”, relata. O coordenador pedagógico da escola, um homem angolano e negro, foi enfático em sua defesa. “Ele disse à polícia: ‘Ela não é racista. Convivo com ela todos os dias.’ Foi minha salvação.”
Uma outra aluna a persegue, inclusive em salas de aula nas quais ela não faz parte, para desautorizá-la na frente de todos a chamando de homofóbica. “É algo absurdo e que mexe muito com o meu emocional”, relata.
As pressões internas a levaram a pedir licença médica em setembro desse ano, mas ela já está de volta à sala de aula. “A escola virou um ambiente hostil. A maioria dos professores é petista. Os conservadores se sentem acuados.”
Marisa critica o que chama de “doutrinação ideológica” nas escolas. “A pedagogia de Paulo Freire contribuiu para que professores façam de conta que ensinam e alunos façam de conta que aprendem. É muito difícil conviver com isso.”
Ela também teme pelo futuro profissional. Apesar de ter sido aprovada em concurso da prefeitura, teme não ser nomeada até o prazo final, em dezembro. “Se não for chamada, terei que prestar outro concurso. Mas com a condenação pelo Supremo Tribunal Federal, talvez nem possa mais.”
Mesmo diante de tantas adversidades, Marisa mantém a fé. “Peço a Deus que as coisas mudem.”
Marisa foi condenada por:
- Associação criminosa (art. 288, CP)
- Incitação ao crime (art. 286, parágrafo único, CP)
- Concurso material (art. 69, CP)
A pena de 1 ano de reclusão foi substituída por medidas restritivas de direitos, multa de 20 dias, cada um equivalente a ½ salário mínimo da época e indenização solidária de R$ 5 milhões por danos morais coletivos.
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