
GEISSIMARA DEFINHOU ATÉ OS OSSOS
Ana Maria Cemin – 22/08/2025
Geissimara Alves de Deus, 28 anos, não foi condenada por destruir, incitar ou desobedecer. Foi presa por tentar salvar uma vida. No dia 8 de janeiro de 2023, em meio ao caos na Esplanada dos Ministérios, ela viu uma mulher ferida, sangrando após ser atingida por tiro de bala de borracha. Um policial orientou Geissimara — fisioterapeuta de formação — a levar a ferida para dentro um dos prédios e juntos levaram a vítima até o Palácio do Planalto. Lá, sem provas, sem imagens, sem sequer um celular funcionando — a bateria havia acabado — ela foi detida em flagrante.
Desde então, sua vida virou um retrato da degradação humana dentro do sistema prisional. Condenada a 14 anos de prisão pelo Supremo Tribunal Federal, Geissimara foi enviada para uma ala de alta periculosidade num presídio em Aparecida de Goiânia. Espancada enquanto dormia, enfrentou problemas gástricos graves por conta da alimentação precária. Perdeu mais de 30 kg. Hoje pesa apenas 38 kg, com um índice de massa corporal (IMC) de 15,23 — considerado gravemente abaixo do saudável para sua altura de 1,62m.
Os laudos médicos oficiais apontam desnutrição proteico-calórica moderada (CID-10: E44.0), gastroenterite crônica de possível origem psicossomática, gastrite, enterite por intolerância à lactose, transtorno de estresse pós-traumático (F43.1) e episódio depressivo grave (F32.2). A rejeição alimentar e o uso contínuo de medicamentos controlados não surtiram efeito. A cada semana, Geissimara definhava mais dentro do presídio.
Por um tempo, foi transferida para a ala das grávidas, onde cuidou de bebês com carinho e dedicação. Chegou a ser madrinha de um deles. Mas sua delicadeza foi mal interpretada, porque pedia por mais tempo de sol para os bebês. Disseram que ela era “chata demais” — e a devolveram ao convívio com presas violentas.
A defesa, liderada pela advogada Dra. Kelly Maria Silva de Espíndola, fez sucessivos pedidos de prisão domiciliar humanitária. “Defender Gessimara é mais do que exercer minha profissão. É um chamado à consciência jurídica, à dignidade humana e à verdade”, declarou. “Ela não é um número. É uma vida. Uma mulher jovem, honesta, que tentou ajudar e foi esmagada por um sistema que, muitas vezes, prefere punir antes de ouvir.”

O laudo pericial foi enfático: a permanência da apenada no cárcere representava risco de agravamento irreversível de seu estado clínico e mental, mesmo com o uso de antidepressivos e ansiolíticos. Os profissionais de saúde foram unânimes em afirmar que o ambiente prisional não oferecia estrutura adequada para os cuidados médicos e nutricionais que ela necessitava.
Diante da gravidade, o STF deferiu o pedido e desde a terça-feira, dia 19 de agosto, Geissimara cumpre a sua pena em prisão domiciliar, em sua residência em Aparecida de Goiânia. O Procurador-Geral da República também se manifestou favoravelmente e solicitou informações sobre os trabalhos realizados por ela durante o período de reclusão, bem como eventual participação no ENEM, para fins de remição e detração de pena.
A decisão impôs medidas cautelares rigorosas:
- Uso obrigatório de tornozeleira eletrônica, com monitoramento semanal pela SAP/GO
- Proibição de uso de redes sociais, inclusive por terceiros
- Proibição de contato com outros envolvidos no processo
- Proibição de conceder entrevistas sem autorização do STF
- Restrição de visitas a advogados e familiares diretos
- Deslocamentos por saúde só com autorização prévia, exceto em urgência justificada em até 48 horas
Geissimara é religiosa. Sofre de depressão profunda, crises de pânico e pensamentos suicidas. Quando finalmente foi ouvida, já estava à beira da morte. Sua história é um alerta. Um grito por humanidade. Um lembrete de que a democracia não pode ser seletiva — e que a justiça precisa enxergar além da sentença. Que nunca mais seja preciso definhar até os ossos para que uma vida seja reconhecida como digna de cuidado.
INFORMAÇÕES COMPLEMENTARES:
Conclusão Pericial
Conforme consta no Laudo Médico Pericial oficial, elaborado pela Junta Médica do Poder Judiciário do Estado de Goiás, a sentenciada Geissimara Alves de Deus apresenta quadro clínico compatível com Transtorno de Estresse Pós-Traumático (CID-10 F43.1) e Episódio Depressivo Grave sem sintomas psicóticos (CID-10 F32.2), além de risco elevado de suicídio.
O documento é enfático ao afirmar que:
“Diante do exposto, devido ao fato de a periciada manifestar Transtorno de estresse pós-traumático, Episódio depressivo grave sem sintomas psicóticos e risco de suicídio, o ambiente carcerário tem grande potencial para manter o adoecimento, além de agravá-lo, perpetuando assim o comprometimento do estado de saúde mental e clínico da periciada, podendo causar dano irreversível.”
Adicionalmente, o laudo aponta que a periciada sofre de gastrite e possível enterite por intolerância à lactose, o que tem gerado desnutrição severa (IMC: 15,23) e refratariedade ao tratamento medicamentoso, uma vez que a absorção dos fármacos está comprometida pela inflamação da mucosa intestinal.
Por fim, conclui-se que:
“Logo, devido ao grave estado de saúde mental atual da periciada, a sua permanência em ambiente carcerário não é indicada, ainda que esteja recebendo medicações antidepressivas e ansiolíticas, pois não estão conseguindo reduzir os sintomas das patologias citadas.”
Diante da contundência técnica e da gravidade do quadro clínico apresentado, é imperioso que esta Corte conceda, em caráter liminar, a prisão domiciliar humanitária, como medida de proteção à vida e à dignidade da sentenciada, nos termos da Constituição Federal, da Lei de Execução Penal e dos tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil é signatário.
RESUMO DO PEDIDO DE PRISÃO DOMICILIAR
Resumo dos Pedidos da Defesa – Geissimara Alves de Deus
1. Prisão Domiciliar Humanitária
- Concessão imediata com base no art. 117, II, da Lei de Execução Penal.
- Justificada por quadro clínico gravíssimo, risco de morte e incompatibilidade absoluta com o ambiente carcerário.
2. Detração Penal
- Cômputo integral do tempo de prisão desde 08/01/2023.
- Inclui prisão preventiva, prisão domiciliar e período sob monitoração eletrônica.
3. Remição de Pena
- Reconhecimento das atividades realizadas:
- Trabalho na penitenciária (1 dia de pena a cada 3 dias trabalhados).
- Participação no ENEM (remição conforme §5º do art. 126 da LEP).
4. Retificação do Cálculo de Pena
- Atualização imediata do cálculo considerando detração e remição.
- Correção de omissões que perpetuam a prisão além do prazo legal.
5. Intimação da Unidade Prisional
- Para cumprimento imediato da decisão, dada a urgência clínica.
6. Encaminhamento à Rede Pública de Saúde
- Garantia de acompanhamento médico, psiquiátrico e nutricional especializado fora do sistema prisional.
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