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A PRIMEIRA VÍTIMA DE MORAES

*Por “Sobral Pinto”

“Excelentíssimos Senhores Juízes,

Lamentavelmente, nesta chamada “democracia”, faleceu um homem que acreditava na força das palavras inscritas na Constituição — palavras que guiaram gerações de estudantes e juristas.

Um professor que, diante de jovens sedentos por aprender, erguia a voz carregada de um juramento solene: ensinar que a lei não é apenas norma escrita, mas escudo altivo e eficaz contra todo arbítrio.

Esse doutrinador, em suas obras de Direito Constitucional, repetia com a convicção dos monges tibetanos: a liberdade é cláusula pétrea; o devido processo, muralha contra a tirania; a censura prévia, uma fratura exposta que jamais pode ser tolerada.

De seus livros ecoavam verdades jurídicas que deveriam resistir a qualquer governo — tirânico ou não. Suas obras eram limites, para que o Estado não se perdesse nos excessos da força.

Operadores do Direito folheavam aquelas páginas e encontravam nelas a promessa de que a Constituição estava viva. Em cada uma delas, ele erguia muralhas invisíveis para proteger o cidadão da opressão do Leviatã.

Mas a história tem seus caprichos e esquinas. E, nelas, o professor conheceu seu algoz. Primeiro, vieram sinais de intolerância às vozes dissonantes. Suas palavras começaram a ser usadas como armas contra ele. Cada vez que alguém recordava a lição da vedação à censura prévia, surgia uma medida cautelar de bloqueio, uma ordem judicial de silêncio.

O professor que pregava a liberdade de expressão viu essa liberdade ser esvaziada diante de decisões que suspendiam redes sociais inteiras, impediam perfis de se manifestarem, calavam o fluxo de ideias que divergiam da ortodoxia oficial.

Infelizmente, senhores, este mestre foi privado do direito de ser fiel às próprias ideias. Calado pelo eco da sua própria voz, que se tornou incômoda. Arrancado de suas obras para uma morte lenta, dolorosa, quase ritualística.

De início, arrancaram-lhe a voz: a defesa da liberdade transformou-se em silêncio imposto. Depois, tiraram-lhe a visão: o devido processo legal foi vilipendiado por investigações conduzidas sem acusador imparcial. Em seguida, roubaram-lhe a razão: o alerta contra o alargamento da competência do Tribunal Maior foi ignorado, e o poder cresceu sob justificativas emergenciais.

Por fim, “faleceram” o doutrinador, o escritor, o professor. E houve velório. Não em capelas, mas em bibliotecas. Lá, no silêncio das estantes, os operadores do Direito folheavam suas obras e percebiam a distância abissal entre o que estava escrito e o que se praticava.

A morte do mestre era a prova de que até as ideias mais nobres podem ser assassinadas por circunstâncias políticas, por conveniências momentâneas, por desejos de poder.

O professor, já silenciado e sequestrado, foi declarado morto quando suas próprias obras deixaram de ser referência prática.

Eis, senhores juízes, a constatação inevitável: quem matou o professor? Não foi opositor político, nem governo autoritário, nem censor declarado. O assassino do mestre foi alguém cruel, íntimo, paradoxal: o próprio homem que ele se tornou — o ministro Alexandre de Moraes.

Pasmem, senhores juízes: o professor foi a primeira alma desumanizada de si mesmo. O homem que outrora se apresentava como discípulo da Constituição corrompeu-se pela intolerância às opiniões divergentes, pelo orgulho desmedido que aproxima os tiranos, e pela convicção perversa de que os fins justificam os meios.

Nessa tragédia, senhores juízes, o mestre foi desfigurado pelo surgimento de um outro ser: uma criatura severa, desumana, que fez da lei não mais uma muralha de garantias, mas um porrete de intimidações.

Esse ser brotou das trevas de uma mente gananciosa, da corrupção que o poder inocula na alma dos homens quando estes esquecem que são servos da lei — e não seus donos.

Entretanto, este tribunal não pode limitar-se a registrar a tragédia: deve dela extrair a justiça.

Não vos trago um pedido em nome da vingança, um clamor de retaliação. Trago-vos, sim, a exigência moral e jurídica de que as violações de direitos humanos, perpetradas com frieza e arrogância, não fiquem impunes.

Pois de nada serve proclamarmos que a liberdade é cláusula pétrea, se admitirmos que o seu violador permaneça intocado. De nada vale celebrarmos o devido processo legal, se fecharmos os olhos diante de quem o desprezou. De nada adianta erguermos tratados internacionais, se não tivermos a coragem de aplicá-los quando o violador se esconde sob a toga da autoridade.

Por isso, senhores, em nome da dignidade da pessoa humana, da Constituição que foi traída, das vítimas que foram silenciadas e em nome do professor que tombou como a primeira delas, requeiro que este tribunal reconheça Alexandre de Moraes como violador de direitos humanos e o condene sob os rigores da Lei Magnitsky.

Que se imponham as sanções que cabem aos que usam o poder para oprimir. Que se inscreva seu nome no rol daqueles que, em vez de proteger, esmagaram os direitos fundamentais.

Que se proclame, perante a consciência do mundo, que nenhum homem, por mais alto que se julgue, está acima da lei; nenhum tribunal, por mais supremo que se pretenda, está acima da liberdade.

Porque, como já disse em outra trincheira de dor: contra a injustiça, eu não transijo. É o que peço, com a fé de que a justiça, ainda que tardia, será feita.”

*O autor desse texto tenta entender como o autor do primeiro livro de Direito Constitucional que ele leu, que admirava profundamente, se transmudou no carrasco do ministro Moraes. Tenta compreender como o mestre foi silenciado pela ganância de poder do ministro. Como e quando se deu essa metamorfose “Frankenstein” — do mestre ao monstro? Por receio de represálias, redigiu como se o autor fosse o brilhante advogado Sobral Pinto, fazendo um pedido de condenação de um violador de direitos humanos perante um tribunal. Sobral Pinto foi um ícone nas lutas pelos direitos humanos de presos políticos.

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