
Ana Maria Cemin — 24/07/2025
As decisões do STF apontam inimputabilidade, mas medidas cautelares continuam a vigorar. Aqui trato de três casos em que o STF utilizou o instituto da inimputabilidade penal para proteger pessoas com transtornos mentais — o que, em tese, representa avanço jurídico e respeito à dignidade humana. No entanto, o caso de Jean esbarra em contradições, burocracias e falta de sensibilidade.
O caso de Jean de Brito da Silva, catador de papel de Juara (MT), parecia encerrado após o reconhecimento de sua inimputabilidade pelo Supremo Tribunal Federal (STF), em decisão publicada em 5 de março de 2025. No entanto, uma ligação recebida pela autora na noite de 23 de julho revelou um detalhe surpreendente: apesar da sentença, Jean continua obrigado a usar tornozeleira eletrônica.
A situação gerou perplexidade. Afinal, como pode um cidadão considerado incapaz de responder criminalmente permanecer submetido a medidas cautelares? Lembrando o nosso objetivo com essa reflexão: Jean integra o grupo de três réus com transtornos mentais cuja absolvição imprópria foi reconhecida pelo STF.
Os três casos de inimputabilidade reconhecidos pelo STF:
- Jean de Brito da Silva — Decisão: 5/03/2025
Sofre de autismo e deficiência intelectual.
Medida de segurança: Tratamento ambulatorial por 2 anos - Nathan Theo Perusso — Decisão: 6/03/2025
Interditado judicialmente desde 2021.
Medida de segurança: Internação psiquiátrica por mínimo de 1 ano - André Wilson Guerra — Decisão: 13/03/2025
Diagnosticado com psicose e déficit cognitivo.
Medida de segurança: Tratamento ambulatorial por 2 anos
Jean: uma trajetória marcada por vulnerabilidade e espera
Jean foi preso no gramado da Praça dos Três Poderes em 8 de janeiro de 2023, onde estava entre manifestantes. Vive em situação de extrema pobreza e apresenta autismo e deficiência intelectual moderada, além de ser analfabeto. Ficou detido por seis meses na Papuda, sendo liberado posteriormente com tornozeleira eletrônica — status que permanece até hoje.
Dois laudos psiquiátricos foram cruciais para sua absolvição:
- O primeiro, elaborado voluntariamente pelo psiquiatra Hewdy Lobo Ribeiro, apontou a incapacidade mental de Jean.
- O segundo, oficial, assinado pelo perito Lucas Alvarez, da Secretaria de Segurança Pública do Mato Grosso, confirmou o diagnóstico de retardo mental moderado.
Com parecer favorável da Procuradoria-Geral da República, o ministro Alexandre de Moraes reconheceu a inimputabilidade penal de Jean e determinou a aplicação de tratamento ambulatorial por dois anos, com nova avaliação ao fim do período.
A defesa, conduzida pelos advogados Silvia Giraldelli e Robson Dupim Dias, lamentou a demora na execução integral da decisão. Mesmo após o trânsito em julgado, Jean permanece sujeito à medida cautelar que, em tese, deveria ser suspensa com o reconhecimento da inimputabilidade.
O caso de Nathan: internação por ruptura de tornozeleira
Nathan Theo Perusso, 24 anos, embarcou de Curitiba para Brasília em 7 de janeiro de 2023. Mesmo com interdição civil decretada desde 2021, foi acusado de associação criminosa e incitação ao crime. Inicialmente liberado com tornozeleira, voltou à prisão após ruptura do dispositivo, permanecendo por cinco meses no Complexo Médico Penal de Curitiba.
Após a apresentação de documentos pela Defensoria Pública da União, o STF reconheceu sua inimputabilidade e determinou internação psiquiátrica mínima de um ano, com acompanhamento médico regular.
André Guerra: transtorno psicótico e absolvição
André Wilson Guerra participou do acampamento em frente ao QG do Exército em Brasília. Foi denunciado por associação criminosa e incitação ao crime. Laudo médico indicou que sofre de psicose não orgânica e déficit cognitivo severo, o que justificou sua absolvição imprópria.
Em 13 de março de 2025, Moraes determinou tratamento ambulatorial por dois anos, com nova perícia ao fim do período.
Publiquei outras matérias no site e você pode conhecer um pouco mais sobre eles:
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