
Ana Maria Cemin – 10/06/2025
Romário Garcia Rodrigues, 35 anos, quer voltar para casa. Se você pudesse conversar com ele sentiria a sua angústia. Chega a contagiar!
Desde julho de 2024 ele já passou por onze países da América Latina e está emocionalmente fragilizado. Conhecido como Nordestino Bolsonariano, ele decidiu romper a tornozeleira que estava em sua perna desde que voltou de Brasília, após a manifestação de 8.01.2023.
Romário é um dos milhares de presos políticos brasileiros e já está condenado pela Suprema Corte a 2 anos e cinco meses de prisão. Longe de casa, ele sonha em voltar, mas não sabe como fará isso.

Ele me diz que essa experiência de viver longe dos seus é estranha. Ele sente que não estava preparado para viver tudo que ele nos conta a seguir, afinal ele sempre morou com a sua mãe, Dona Francisca Garcia Rodrigues, 66 anos, em Fortaleza, CE.
A vida de andarilho entre países, sem saber onde irá morar no mês seguinte e se terá um teto, transformou-se num tormento para ele e para outras centenas de presos políticos. O maior medo é ficar na rua, num país desconhecido e sofrer as consequências desse desamparo.
Depois de um ano e quatro meses usando tornozeleira e sem ter a menor ideia da pena que receberia do Supremo Tribunal Federal (STF) pelos crimes que lhe foram imputados – associação criminosa e incitação ao crime – Romário pegou carona para Feira de Santana em 12.07.2024 e chegou na Argentina quatro dias depois.

A entrada no país vizinho foi tranquila e logo ele foi até a Comisión Nacional para los Refugiados (CONARE) solicitar proteção internacional como refugiado. Na verdade, ele nunca chegou a fazer a entrevista na CONARE. Não deu tempo!
Foram poucos meses de moradia na Argentina e iniciaram as perseguições de refugiados brasileiros, inclusive com a prisão de cinco que até hoje permanecem no cárcere em Ezeiza, Buenos Aires (leia sobre eles em https://bureaucom.com.br/argentina-julga-extradicao-de-brasileiros-em-18-06/ ) .
“Na Argentina morei numa favela e depois fui para Buenos Aires onde morei com Cristiane da Silva e Michely Paiva Alves, duas presas políticas também do Inq. 4921 (dois crimes, considerados leves pelo STF). O medo era tão grande que o pessoal começou a falar em ir embora para os Estados Unidos, e a proposta era de entrar no país legalmente utilizando o CBP ONE, um aplicativo criado pelo governo Biden para facilitar a entrada legal de migrantes no país. Por meio desse aplicativo, os imigrantes solicitavam um agendamento para se apresentarem nos postos de entrada da fronteira. Era dessa forma que as pessoas estavam entrando nos EUA até Trump mudar a política de imigração. Era assim que nós faríamos logo após chegar no México”, explica.

Foi em 18.11.2024, vivendo sob a forte pressão do medo de ser preso em solo argentino, que um grupo de patriotas asilados na Argentina começou a longa jornada pelo sonho americano. A jornada de mais de dois meses por terra, incluiu passagem pelos acampamentos da ONU ou de ONGs em apoio aos refugiados no Chile, Peru, Equador, Colômbia, Panamá, Costa Rica, Nicarágua, Honduras, Guatemala e México.
Romário estava com as duas colegas com quem dividia a moradia na Argentina, além de Raquel Souza Lopes e Rosana Maciel Gomes. Em cinco, foram atravessando as fronteiras com a ajuda do que ele chama de “máfia” da imigração, porque esses “agentes” cobravam valores para levá-los em “segurança” de um ponto a outro.

“Vivemos o medo o tempo todo. Se fôssemos pegos numa imigração, seríamos levados de volta para o país anterior. E isso é comum acontecer com os imigrantes. A experiência toda foi muito traumática, porque vivíamos a incerteza no sentido mais amplo da palavra. Em dado momento tentei voltar, mas depois de regressar, passando por alguns países, a colega que estava comigo quis retomar o sonho americano e, novamente, voltamos a caminhada rumo ao México. Ninguém pode imaginar quanto sofrimento passamos, o quanto de estrutura física e emocional é preciso ter para seguir em frente. Eu confesso que fui mais porque o grupo seguia em frente do que propriamente pelas minhas forças. Tanto é que hoje estou longe de casa, não sei como retornar e me sinto totalmente desestruturado. Onde estou consegui um emprego na madrugada, numa empresa, mas agora estou novamente desempregado por ter adoecido e no retorno ao trabalho fui dispensado. Tenho medo de sair na rua nesse país onde estou, porque as pessoas aqui são homofóbicas e eu sou gay. Então, pegar ônibus, por exemplo, está fora de questão”, desabafa.

Num dos países por onde passou, o grupo de presos políticos brasileiros que Romário integrava foi sequestrado por três dias. Até que não pagaram o valor cobrado, não foram liberados. “Roubaram tudo que era nosso e seguimos em frente depois disso. É inacreditável o que vivemos, o quanto os imigrantes sofrem nesse caminho por terra em busca de uma vida diferente nos Estados Unidos. Essa máfia que te leva em frente, mas a um custo alto, inclusive emocional. Esse sequestro que comentei foi na véspera do Natal e a gente não tinha a menor ideia do que iria acontecer conosco. Foi um dos momentos mais tensos que vivemos”, relata.

Romário diz que é comum cair nas mãos de traficantes armados que fazem cobranças de valores. Eles sabem que se você for brasileiro, vai ter cartão internacional e aí obrigam a ir até um caixa para fazer o saque. “Isso vai muito além da propina, mas como estávamos vulneráveis, perseguidos pelo nosso próprio Estado, não nos restava uma alternativa a não ser enfrentar. No meu caso, fui movido pelo desequilíbrio e medo, porque a pena do STF para mim teria sido de restrição de direitos, mas os outros estavam lutando para não voltar para o cárcere. Era o medo que pensava por nós naquele momento. Fomos movidos pelo medo de voltar para a prisão, porque em Brasília participamos de uma manifestação e acabamos dentro dos presídios Papuda e Colmeia. E lá ficamos trancados, humilhados, passando fome e toda sorte de necessidades, mesmo sem ter a menor intenção de depredar ou dar um golpe de Estado. O medo nos fez correr em alguma direção, em busca de uma saída. Mas nós não encontramos o que buscávamos”, lamenta.

A primeira a entrar nos Estados Unidos pedindo asilo foi Raquel de Souza Lopes. Ela é moradora de Joinville, SC, e foi condenada a 16 anos e meio pelo STF. Está até hoje num albergue de imigrantes no Texas, aguardando o julgamento para sua extradição ou para início do processo de asilo.
As três outras que estavam com Romário, também entraram nos Estados Unidos – Michely Paiva, de Limeira, SP; Rosana Maciel Gomes, Goiânia, GO; e Cristiane da Silva, Balneário Camboriú, SC – e foram presas imediatamente numa outra unidade prisional texana. Cristiane foi extraditada em maio (Leia em https://bureaucom.com.br/wp-admin/post.php?post=9320&action=edit ). Michely e Rosana seguem presas.
“Eu cheguei depois das quatro no México e já não era possível entrar nos Estados Unidos. A única que entrou antes de Trump mudar a política de imigração foi Raquel, mas também segue detida. Isso foi um balde de água fria em nossas cabeças. Alguns conseguiram voltar para a Argentina e os que não voltaram seguiram caminhos separados, em países diferentes, como é o caso de Romário que saiu do México (não revelou onde está). Não estamos mais juntos. Estou morando sozinho e perdi o emprego que me ajudava a pagar as contas por ter ficado doente, como contei antes. Trabalhava das 19h30 da noite até 6h30 da manhã fazendo um trabalho de soldagem numa empresa. Tem horas que dá uma aflição tão grande que penso em fazer besteira, mas lembro que tenho uma mãe que me adora e me espera de volta. Só a lembrança da família já me faz ter coragem. Liguei para os meus advogados Taniéli Telles e Hélio Júnior para contar que estou muito mal, que preciso voltar para casa. Fui condenado a 2 anos e cinco meses, então temo voltar e ser preso em Fortaleza, onde os presídios são controlados por facções. Por outro lado, estou num país distante, com a sensação de estar em risco o tempo todo, com medo do que a própria polícia possa fazer comigo se me pegar aqui, como um ilegal. É uma vida muito sofrida, que as palavras não conseguem expressar: a dor, a angústia e o medo tomam conta da mente e do corpo”, diz ainda.

Um dos piores momentos vividos por Romário foi a travessia da América do Sul para a América Central, feita por terra entrando na Floresta de Darién. Esse é o único trecho da jornada dos imigrantes que não tem ligação rodoviária e eles são obrigados a enfrentar os perigos da mata ao sair da Colômbia para chegar no Panamá.
“Sete índios estupraram uma venezuelana a deixando desacordada. Nós socorremos essa moça no meio do caminho. Esses índios costumam sequestrar, estuprar e matar quem passa por Darién. Por pouco ou quase nada eles colocam uma faca em seu pescoço ou apontam uma arma. Também é um local comum de tráfico humano. É algo que jamais poderia imaginar ver ou sequer pensar que existisse”, desabafa. E conclui: “Nós estamos fora do Brasil sem ter qualquer expectativa, sem alegria de viver, apenas esperando que algo de bom aconteça e a gente possa voltar para as nossas famílias e nossas casas. Nunca mas seremos como antes, depois de tudo que vivemos. Aliás, depois que fui preso no Papuda, meu estado psicológico ficou totalmente alterado e, ao voltar para o Brasil, tenho convicção de que precisarei de acompanhamento profissional”, conclui.
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