
ANA MARIA CEMIN
Recolhido desde o final do ano passado em presídio argentino, a pedido do governo brasileiro, o preso político Rodrigo de Freitas Moro Ramalho, 36 anos, está passando por sérios problemas de saúde. Quem relata a situação é a mãe de Ramalho, Dona Noemi de Freitas.
“O meu filho rompeu os ligamentos do joelho há duas semanas dentro do presídio e até agora o juiz argentino não autorizou os exames que devem ser feitos fora do estabelecimento prisional. Ele apenas foi atendido na enfermaria, mas há indícios da necessidade de cirurgia”, relata Noemi, que não tem mais a quem recorrer, a não ser contar publicamente o fato, na esperança de que esse atendimento seja feito o quanto antes e seu filho possa se reestabelecer.
Noemi mora no Brasil e acompanha de longe a sua família exilada, porque ao ser condenado a 14 anos de prisão pelo Supremo Tribunal Federal (STF), Rodrigo, a esposa e dois filhos pequenos pediram asilo na Argentina.
Rodrigo é um dos cinco presos políticos brasileiros que estão no presídio de Ezeiza Penal Colony, na Província de Buenos Aires, desde o ano passado. Os outros são Joel Borges Corrêa, 46 anos; Joelton Gusmão, 47 anos; Ana Paula de Souza, 34 anos; e Wellington Luiz Firmino, 34 anos. Todos foram recolhidos ao cárcere devido ao pedido de extradição de presos políticos feito pelo governo brasileiro ao governo de Javier Milei ainda em junho de 2024.
Hoje, centenas de presos políticos vivem no país vizinho e aguardam a anistia para poderem voltar para suas famílias.
QUEM É RODRIGO?
O jovem pai é morador de Marília, SP, e tutor dos três membros da família que têm “ossos de vidro”: a esposa Viviane, 35 anos, e os filhos Miguel, 13 anos, e Gabriel, 11 anos.
Por causa da “osteogêneses imperfeita” sofrem acidentes que resultam em fraturas de ossos mesmo dentro de casa. Viviane já teve mais de 20 fraturas; Gabriel também mais de 20 fraturas, sendo que dez de crânio; e Miguel sofreu dez fraturas.
Conforme os acidentes da família foram acontecendo, por força da necessidade, Rodrigo Moro assumiu como tutor e cuidador dos três, deixou de trabalhar como garçom e escolheu a atividade de entregador do aplicativo IFood, por ter horários flexíveis.
O CAOS PIORA A VIDA DOS QUATRO
A vida de Rodrigo seguia a rotina do trabalho e a prontidão para alguma emergência que o fazia sair correndo para o hospital com algum deles. Ao decidir ir para Brasília para uma manifestação política no início de janeiro de 2023, que ele julgava ser pacífica e ordeira como as demais que participara, a vida dele e da família no Brasil se tornou impossível.
Rodrigo voltou de Brasília somente sete meses depois, com um tornozeleira eletrônica e uma série de restrições. Na sequência, foi condenado a 14 anos de prisão.
Antes de sair do Brasil e de ser preso na Argentina, Rodrigo disse o seguinte:
“Não quero voltar para o presídio. Não é lugar para mim. Uma pessoa que nunca cometeu qualquer crime, que sempre arcou com os seus compromissos, cuidou de sua família, não pode ser tratado dessa forma pelo Estado Brasileiro. Desde que voltei da prisão em Brasília, tento aproveitar ao máximo a minha família, mas tenho um sentimento de desespero. Eu confesso que prefiro morrer a voltar para o presídio. Foi difícil passar sete meses no Papuda ao lado de outros patriotas injustiçados, pessoas boas, e eu imagino como será ficar em celas durante anos com criminosos que mataram, roubaram, estupraram, traficaram e cometeram outras atrocidades. Sinto muito medo de toda essa injustiça”.

CONTAS BLOQUEADAS
“Eu me sinto como um indigente, porque pensei em trabalhar pelo aplicativo 99, como moto táxi, mas quando sai do presídio a minha habilitação estava bloqueada. Consegui desbloquear um mês depois, mas então surgiu outro problema que me impede: o ministro Alexandre de Moraes determinou o bloqueio das minhas contas do Nubank e da Caixa Econômica Federal, e eu preciso de uma conta para poder trabalhar no aplicativo. Fui à Caixa e me mostraram que tem um bloqueio no valor de até R$ 19 milhões. Ou seja, o dinheiro que entrar do meu trabalho não vai para o sustento da minha família”,desabafou na época.
Tudo que a família de Dona Noemi deseja é voltar a ter paz, poder trabalhar como sempre fez, cuidar dos mais frágeis e ter no Brasil a sua terra, o seu chão, onde a verdade e a justiça prevaleça.





INÍCIO DAS AGRESSÕES NA PRAÇA – RELATO DE RODRIGO
“Já na Praça dos Três Poderes encontramos, no gramado, as grades que impediam a nossa passagem, com alguns poucos policiais guardando o local. A multidão queria seguir em frente e ficar no gramado, como ficou no tempo do impeachment da Dilma, de forma pacífica. Os policiais não permitiram e a multidão começou a sacudir as grades e iniciou um confronto no qual os policiais jogaram spray em nós.
Eu sufoquei com aquele gás e vi muitas pessoas caindo no chão de joelhos. Eu só pensava em água e me joguei dentro do espelho d’água que vi pela frente para aliviar.
Não demorou para a multidão subir no Congresso e logo em seguida vi policiais lá em cima também. Creio que eles estavam na parte de trás daquelas estruturas que parecem grandes pratos.
E logo em seguida iniciaram os tiros de bala de borracha e bombas de efeito moral. Lembro que chegamos por volta das 14h30, mas depois assistimos filmagens que tinha gente dentro dos prédios antes disso. Não sei como entraram, porque as pessoas que estavam no nosso movimento chegaram nesse horário, todos juntos, e teve a revista policial.
DEDO PENDURADO
Nenhum de nós estava armado e nem em sonho esperávamos uma recepção com tiros e bombas. Ninguém estava quebrando nada, pelo menos não os patriotas que tinham acabado de chegar junto comigo. A polícia atirava para tudo quanto é lado e no meio daquela confusão vi um rapaz com o dedo pendurado. Abri a mochila e ofereci minha camiseta do Brasil para ele estancar o sangue que jorrava.
As bombas com gás eram tantas e, por um momento, eu senti a presença de Deus e sua perfeição. Nós estávamos na rampa e os policiais jogavam bombas de gás contra nós, mas de uma hora para outra o vento mudou e a fumaça se direcionou para a própria polícia.
Nisso, ouvi um pessoal chamando a gente para entrar num prédio. Eu não conhecia Brasília e não sabia que se tratava do Palácio do Planalto. Era muita confusão na praça, até cavalaria apareceu, além de caveirão e tropa de choque. Estava uma loucura e achei que devia me proteger.

DENTRO DO PLANALTO
Entrei no Planalto que estava cheio de gente. Creio que como eu pensavam em esperar tudo acalmar lá fora para depois voltar ao QG. Logo que passei pela porta, eu vi um pessoal vestido de preto quebrando algumas coisas. Tinham camiseta amarrada na cabeça, como vemos na TV os black block. Só os seus olhos apareciam. Os patriotas, por sua vez, tentavam impedir a ação deles.
Eu conversei com alguns militares e disse que o nosso povo era da paz, que ninguém estava ali para quebrar e que poderíamos ajudar a colocar em ordem a situação, separando os manifestantes dos vândalos.
Lembro que a tropa de choque entrou no segundo andar do Planalto para expulsar o pessoal que estava lá em cima quebrando tudo. Foi quando me dispus a ficar na rampa para impedir que os patriotas subissem. Se as imagens das câmeras estivessem disponíveis, poderia comprovar isso que estou falando. Mas eu tenho fotos daquele momento, quando impedia o povo de subir a rampa interna para o segundo piso. Eu estava junto com o Pastor Oziel, ajudando a polícia.

Conversamos com eles, pedimos para que nos protegessem contando a verdade, que não quebramos nada. Pedimos que não permitissem que a polícia que estava do lado de fora entrasse e nos matasse. A gente via no rosto dos soldados os sentimentos, porque alguns choravam na nossa frente, como se tivessem impotentes diante das ordens recebidas.

ATRITO ENTRE TROPA DE CHOQUE E EXÉRCITO
O comandante do Exército que estava conosco e o seu pessoal nos diziam que sairíamos dali, que logo poderíamos ir embora. Porém, o comando do Choque entrou aos gritos afirmando que tinha patriota que morreria ali. Patriota “meus ovos”, gritava com pouca educação. Ele determinou que todos que estavam dentro do Planalto fossem presos, sem usar de qualquer critério. E assim foi.
Por estar dentro do prédio, fiquei sete meses no Presídio Papuda, onde sofremos muito com os policiais esquerdistas. Batiam o cassetete nas grandes e falavam gargalhando que ficaríamos anos presos. Éramos pais de famílias, na maioria, e trabalhadores. Nunca tínhamos passado por uma situação como aquela, sem papel higiênico para nos limpar, sem toalha para nos enxugar depois do banho gelado, com apenas a roupa do corpo.
Os maus tratos começaram a diminuir conforme iam aparecendo os políticos, porque foram trocados os policiais por outros de direita, que tinham empatia por nós. Quando era esquerdista, nem banho de sol tinha, porque dizia que não tinha policial para nos acompanhar. A comida vinha com vidro, anzol, gilete, caracol, fezes de rato, além de ser azeda. É uma longa história de sofrimento que eu não quero repetir”, conclui.

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