Ana Maria Cemin – 04/10/2024
Rita Paula Alves de Carvalho, 53 anos, saiu de Itaúna, MG, no dia 19 de setembro, após entender que não tinha mais como continuar no Brasil.
Sozinha, sem nenhuma noção do quê fazer e como fazer para se exilar em outro país, Rita foi até Belo Horizonte e de lá foi para São Paulo, onde permaneceu das 6h da manhã até 8h da noite numa angústia desmedida, aguardando o ônibus que a levaria para Buenos Aires, Argentina.
Chegou na capital argentina em 21 de setembro e por cinco dias Rita viveu o desamparo.
Se viu numa capital onde não conhecia ninguém, não falava a Língua Espanhola e vivenciava os sentimentos de desespero e insegurança.
“Eu não sabia o que fazer, mas sabia o que queria: ser livre”, diz Rita, aos prantos. Ela abandonou, no Brasil, a filha Sarah, 22 anos, a carreira de 30 anos como cabeleireira, as clientes do salão e todas as suas referências.
Em 25 de setembro, Rita mandou uma mensagem para o meu WhatsApp com o seguinte teor:
“Bom dia, Ana! Me desculpe, mas estou na Argentina perdida sem saber o que fazer. Procurei o serviço de migrações e me mandaram para outro lugar. Lá me deram um papel com instruções para eu enviar um e-mail pedindo asilo. Você sabe me dizer se é assim mesmo? Ou você tem o contato de brasileiros que estão aqui para me ajudar?”
Eu fiquei impactada com a situação de Rita e de pronto passei o contato da Associação dos Familiares e Vítimas de 8 de Janeiro (ASFAV) para que fosse instruída.
Antes de nos despedirmos, conversei um pouco com ela para saber como se sentia e me contou que chegou em Buenos Aires com febre, dor no corpo e muita dor de cabeça. “Acho que foi emocional”, falou.
“Eu estou no sufoco desde 15 de julho quando as minhas contas foram bloqueadas. E depois do dia 7 de agosto, quando uma oficial da Justiça Federal esteve na minha casa, para entregar uma intimação, eu não tive mais paz. Por isso, resolvi deixar tudo e vir para a Argentina, pelo menos para poder acordar sem medo de ser presa”, relatou, na ocasião.
NOSSO REENCONTRO VIRTUAL DE HOJE
Voltei a conversar com Rita hoje pela manhã, 4 de outubro, para saber mais dela e contar a história de sua dura travessia.
Passados alguns dias, ela ainda chora muito, está fazendo uso de medicações controladas, mas pelo menos se encontra num ambiente mais amoroso. Divide apartamento com outras presas políticas.
Usar essa expressão “presa política” para Rita é forte, porque até julho desse ano ela seguia a sua vida de cabelereira e candidata a vereadora pelo PRTB. Nunca foi presa ou usou tornozeleira eletrônica, mas foi literalmente atropelada pelas decisões do governo brasileiro nesse segundo semestre.
É o que ela conta nessa entrevista:
O que aconteceu com a sua vida, Rita?
Decidi sair do Brasil e fiz isso de ônibus. De Belo Horizonte desci na Rodoviária do Tietê, de onde saiu o meu ônibus para Argentina. Fiquei um dia inteiro em São Paulo sozinha e foram as horas mais angustiantes da minha vida. Além de não conhecer qualquer pessoa, ainda estava morrendo de medo por não saber o que viria dali para diante. Rumei para o desconhecido e cheguei em Buenos Aires no dia 21 de setembro. Não desci em nenhuma parada, pois estava em pânico.
Eu só tinha “desespero” e mais nada. Ficar no Brasil significava ser presa a qualquer momento. Não tive escolha. Em agosto, fiquei sabendo que fui incluída nas investigações do 8 de janeiro e precisei apresentar defesa no prazo de 15 dias, referentes a cinco crimes.
Antes do último mês de agosto, você tinha o conhecimento de estar sendo investigada?
Depois que voltei de Brasília, em setembro do ano passado fui chamada a depor na Polícia Federal em Divinópolis, MG. Fui até lá, respondi a tudo que o delegado perguntou e achei que estava tudo tranquilo, inclusive me candidatei ao cargo de vereadora em Itaúna.
Só que em 15 de julho, vi que as minhas contas e meus bens foram bloqueados e, ainda, que eu tinha um bloqueio de conta até o valor de R$ 26 milhões e 633 mil.
Eu não entendi nada e nem fui atrás de advogado, porque na minha cabeça eu não tinha feito nada. Então falei com o advogado do PRTB e ele orientou para que fosse ao banco. Foi então que descobri que o bloqueio foi determinado pelo Gabinete do Alexandre de Moraes.
Na ocasião eu me preocupei, mas não tanto, porque eu não tinha cometido nenhum crime. Nada devia.
Fiquei em choque, mas encarei como uma punição, um castigo. Não sei definir muito bem como aquilo chegou para mim. É difícil descrever.
Quando foi que você começou a agir frente a esses acontecimentos?
Só tomei a decisão de buscar ajuda quando a oficial de justiça esteve em minha casa para entregar um documento e disse para providenciar a minha defesa junto ao STF, no prazo de 15 dias. Isso foi em 7 de agosto, menos de um mês depois do bloqueio de contas e bens.
Foi então que mandei a primeira mensagem para você, Ana, pedindo socorro. Você indicou a Dra. Taniéli Telles de Camargo Padoan.
Foi por meio dela que soube da minha situação. Fiquei 15 dias em estado de choque por saber que eu estava sendo incluída nos cinco crimes do 8 de janeiro e que as condenações do STF eram de 14 a 17 anos.
Como foi a sua vida a partir desse choque de realidade?
Depois da ajuda da Dra. Taniéli, constitui uma advogada na minha cidade para fazer a defesa e ela falou que eu era uma ré confessa. Levei um susto e disse que não poderia ter confessado nada justamente por não ter feito nada. Quando estive em Brasília eu não depredei nada, não quebrei nada.
No entanto, ela falou que no meu depoimento ao delegado, em setembro do ano passado, eu tinha contado que estive em Brasília em 08.01.2023 e confirmado que a foto que está no processo era minha – a foto que está no meu processo não fui eu que postei. Tiraram um print de um vídeo que alguém postou e fizeram um dossiê me denunciando.
Portanto, disse a minha advogada, pelo simples fato de eu estar na rampa o ministro Alexandre de Moraes já considerava uma invasão de prédio.
Eu fiquei muito desesperada, porque ela disse que eu não deveria ter confessado que eu estive lá, mas eu não consigo mentir, ainda mais para um delegado. Como eu poderia dizer que eu não estive lá, que aquela pessoa da foto na rampa não era eu, sendo que a imagem era a minha?
Então você não foi presa no acampamento?
Não acampamos e nunca fui presa. Chegamos no dia 8 de janeiro pela manhã, por volta das 10h30min e o Exército já não estava deixando ônibus entrar no QG de Brasília.
Nós chegamos num ônibus cheio, vindo da minha cidade, que estacionou longe do QG. Portanto, fomos até o QG sem levar as nossas coisas e de lá descemos para a Praça dos Três Poderes.
Com aquela confusão toda decidimos ir embora, voltar para casa, mas tivemos que esperar metade das pessoas que viajaram conosco serem liberadas pela polícia, o que ocorreu somente à 1 hora da madrugada de segunda-feira.
Até esse horário, o nosso ônibus ficou escondido numa boca de fumo e tivemos que pegar Uber para chegar nesse local e esperar todos chegarem.
Depois que você voltou para casa, a sua vida voltou à normalidade?
Depois do dia 8 de janeiro foi impossível voltar à vida normal. Desde então eu tomo remédio controlado por ter ficado muito mal com tudo aquilo. O que a gente passou na Praça dos Três Poderes, toda a tensão que envolveu a saída de Brasília e o medo que tivemos em todo o trajeto até chegar em Itaúna mexeu muito com todos nós. Nós levamos dois dias para chegar na nossa cidade de ônibus, porque o motorista fez alguns desvios, passou por estradas de chão, evitando postos da Polícia Federal. Depois disso fiquei seis meses muito mal.
Naquele dia o meu rosto ficou todo queimado pelo gás das bombas, então, mesmo em casa, ao tentar dormir eu ainda escutava o barulho de helicóptero e de bombas o tempo inteiro. Foram noites e noites de insônia, tentando encontrar a paz. Eu fiquei muito mal mesmo, ao ponto de achar que não conseguiria suportar viver daquela forma. Aos poucos consegui ficar melhor, até que as minhas contas foram bloqueadas e tudo complicou pela investigação.
Viver sem dinheiro na Argentina
Tudo que eu tenho no Brasil está bloqueado. Tentei vender o meu carro para poder vir para cá, mas não consegui porque existe o bloqueio do STF. Perdi o meu trabalho, o meu salão, que era a minha única fonte de renda.
Quando te pedi socorro no dia 25 de setembro eu estava desesperada, e logo algumas pessoas me ligaram e no dia seguinte conheci as patriotas que me acolheram, arrumaram um lugar no apartamento delas. Desde então, temos a rotina de sair todos os dias pela manhã e voltar somente no final da tarde, sempre em busca de trabalho. A gente anda o dia inteiro e onde tem oferta eu vou oferecer o meu serviço. Eu quero muito trabalhar na minha área, como cabeleireira, porque é o que eu sei fazer.
Surgiu um emprego num supermercado, que paga menos do que é necessário para viver aqui, e me pediram para fazer um currículo. Eu não sei fazer currículo! Trabalho há 30 anos fazendo cabelo e é o que eu posso oferecer de melhor. Como colocar isso num currículo para trabalhar num mercado?
E nos salões aqui de Buenos Aires ainda não consegui nada, seja por não falar a Língua Espanhola ou por qualquer outro motivo. Em breve terei a documentação argentina e creio que isso possa ajudar. Eu só quero trabalhar e me sustentar.
Sua história é a minha tbm, unidas pela mesma causa 😔