Ana Maria Cemin – Jornalista – 28/04/2024
Na última quarta-feira, dia 24 de abril, Elynne Gomes dos Santos Lima, 50 anos, foi até o Centro de Monitoramento Eletrônico (CIME) de Brasília, DF, retirar a tornozeleira eletrônica colocada em sua perna há quase um ano.
A sensação foi de alívio imediato, de voltar a respirar como uma pessoa livre novamente, sem o terrível medo de voltar ao cárcere pelo simples fato de o equipamento não funcionar.
“Por qualquer deslize é possível ser recolhido pela Polícia Federal, por ordem do Supremo Tribunal Federal (STF). Várias mulheres que conheci no Colmeia voltaram aos presídios por descumprimento das cautelares. Sei de homens também”, comenta.
Orientada pelos seus advogados – Dra. Taniéli Telles e Dr. Júnior – ela assinou o Acordo de Não Persecução Penal (ANPP), o que significa que Elynne não será mais julgada pelo STF e voltará a ser ré primária depois de concluídas todas as exigências do acordo.
Para fechar o acordo, ela precisou assumir a culpa dos crimes que lhe foram imputados pelo Inquérito 4921, pagar um salário-mínimo parcelado em duas vezes (o valor era de R$ 5 mil, mas os advogados negociaram), assistirá 12 horas de um curso sobre Democracia criado pelo Governo e cumprirá 150 horas de serviço comunitário.
Depois de feito tudo isso, que deve demandar cerca de seis meses, Elynne terá a sua vida de volta e, se tudo der certo, sairá de Brasília, cidade que lhe traz lembranças muito ruins.
VIDA NOVA
“Eu larguei as paixões políticas. Assinar o ANPP foi a coisa mais difícil da minha vida, porque eu sei que não fiz nada de errado ao participar de um movimento popular. Eu não cometi crime, não quebrei. Além disso, lidar com as críticas das pessoas que são contra a assinatura do acordo é bem complicado. Porém, cada um sabe das suas feridas e eu tenho um filho com autismo que eu preciso cuidar dele e sustentar a minha casa. Minha renda caiu muito por eu não poder viajar para fazer o meu trabalho de pesquisa. Portanto, assinar o ANPP representou para mim uma nova chance de vida e o sossego de não conviver mais com o medo de que a tornozeleira descarregasse por algum motivo e eu fosse presa”, desabafa.
Elynne conheceu o seu namorado no QG de Brasília, Armando Valentin Settin Lopes de Andrade, 47 anos, que também assinou o ANPP, porém ainda aguarda a homologação do acordo, para então retirar a tornozeleira eletrônica no CIME.
“Armando ficou psicologicamente abalado por tudo que aconteceu. Nunca poderia imaginar que tal coisa poderia acontecer, com acusações falsas. Para uma pessoa de princípios, abala muito. Vamos continua crendo que Deus está no controle de tudo”, diz.
INÍCIO DE NAMORO NO QG
A história do relacionamento de Elynne e Armando daria um belo filme. Os dois se conheceram no QG de Brasília em novembro de 2022, iniciaram o namoro, mas em 8 de janeiro tiveram as suas vidas interrompidas numa prisão também cinematográfica: dois carros da Polícia Civil trancaram a passagem do veículo em que eles estavam, cada um foi colocado numa viatura e levado para a Polícia Civil para prestar depoimento.
“Não tínhamos a menor ideia do que estava acontecendo e jamais passaria pelas nossas cabeças que o motivo daquilo tudo era o fato de termos ido até a Praça dos Três Poderes naquela tarde do dia 8 de janeiro. Tudo foi muito surreal. Lá na delegacia, me disseram que eu era apenas uma testemunha e que logo me liberariam. Enquanto aguardava Armando, que ficou mais de uma hora em depoimento, a delegada me chamou para conversar e deu voz de prisão. De lá fui levada para o presidio Colmeia e Armando para o presídio Papuda. Eu saí do cárcere com tornozeleira eletrônica somente em 6 de maio e o meu namorado saiu em 9 de maio”, relata.
Os dois são moradores de Brasília, sendo que ela é pesquisadora de institutos (coleta de dados) e tem dois filhos, Nicolas de 24 anos e Ryan de 20 anos. Ele trabalha há 20 anos como vendedor de carros luxuosos.
“Creio que Armando chamou a atenção da polícia ainda dentro do QG, porque ali existiam policiais camuflados entre os manifestantes. Então ele estava sendo monitorado e seguido pela polícia, imagino. Isso explica a abordagem que sofremos quando saíamos do bairro onde o irmão do Armando mora, no dia 8 de janeiro, pela Polícia”, avalia.
No dia da manifestação, Elynne falou para Armando que iria junto com ele para frente a praça.
“Fazia uma semana que a gente não se via e eu estava trabalhando muito nas pesquisas para os institutos. Eu disse que queria muito estar com ele naquele momento e fomos. Quando chegamos perto dos prédios e vimos a depredação, nós dois ficamos chocados. Armando repetia que aquilo não podia acontecer, pois não era uma manifestação com a qual estávamos acostumados. Não era para acontecer e a gente logo foi embora”, conclui.
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