Ana Maria Cemin – Jornalista
21/01/2024 – (54) 99133 7567
É início da noite de sábado, 20 de janeiro, e converso com a mãe de Bianca, 9 anos, e de Breno, 22 anos. Ela é uma presa domiciliar e usa tornozeleira eletrônica. Está visivelmente abalada e, ao iniciarmos a conversa, está bem acelerada. Peço para que ela respire fundo; temos bastante tempo para que ela possa me contar sobre a sua experiência na Capital Federal. Desejamos conhecer quem ela é e a sua história de vida.
Consigo com que desacelere e, mesmo que ela se engasgue volta e meia com o seu choro, a nossa entrevista corre bem. Sinto que está muito emocionada e penso que não devo aprofundar muito as recordações de Fabrícia Lúcia da Silva Rodrigues, 37 anos. Dói fundo o que ela viveu depois do seu sequestro no dia 9 de janeiro, quando foi levada em um dos 50 ônibus contratados pelo Estado Brasileiro para levar cerca de 2 mil pessoas do QG de Brasília para o Ginásio da Polícia Federal. As feridas seguem abertas.
Ela voltou de Brasília dois meses depois. Ficou no Presídio Colmeia até 12 de março de 2023. De lá para cá, vive dentro de casa e tem vergonha de ir ao médico, no postinho, por usar uma tornozeleira eletrônica de bandido. Aconselho que vá, pois ela tem uma série de comorbidades e precisa de atenção profissional.
AVISEI AO MARIDO SÓ DEPOIS
“Na 6ª feira, dia 6 de janeiro de 2023, fui para Brasília com a certeza de que estaria de volta na segunda-feira. Não avisei o meu marido (Cristiano, 47 anos) por saber que ele seria contra. Deixei uma colega de empresa encarregada para fazer a justificação da minha ausência na empresa na 6ª feira, sábado e 2ª feira.
Eu sei que foi errado ir escondida, mas eu estava num grupo de WhatsApp de pessoas que conheci no QG de Sorocaba (SP), minha cidade. Tinha um convite para ir a Brasília com data de ida e de volta, não achei que eu seria presa por algo que não fiz.
No dia 8 de janeiro, desci do QG para a Praça dos Três Poderes um pouco depois das 15h. Não acompanhei a marcha e fui de Uber por ter problemas nos meus pés. Não aguentaria uma caminhada de 8 km. Fui revistada, entrei no gramado e logo decidi voltar para o QG porque tinha muito barulho, uma bagunça e não era isso que eu esperava da manifestação. Sempre nos manifestamos de forma ordeira e tranquila. Para voltar, peguei carona.
Estava frustrada porque a minha intenção era conhecer Brasília e o QG, além de participar de uma manifestação pacífica. Esse convite foi um desastre para a minha vida, pois eu só perdi: não conheci nada, fui presa, respondo um processo e recebi uma demissão por justa causa da empresa.
SURTO AO SER INFORMADA DA PRISÃO
Depois que fomos levados do QG para o Campo de Concentração (Ginásio da Polícia Federal), tínhamos que passar por uma triagem. Conversei com um advogado e ele garantiu que eu seria solta por ter uma filha pequena e por ser portadora de uma série de comorbidades. Às 3 horas da madrugada do dia 10 de janeiro, fui para a fila de triagem e não demorou para o delegado falar que eu tinha que assinar um papel e que eu estava detida.
Entrei em pânico e repetia aos gritos que isso não era possível, uma vez que eu não tinha feito nada de errado. Passai mal, os meus pés incharam e pareciam duas bolas. Fui levada para a enfermaria onde fiquei por cerca de duas horas em atendimento e, após, me levaram de volta para a sala de triagem. Lá, eu gritava que não tinha feito nada e que preferia morrer a ser presa. Meu estado emocional era tão crítico que até a delegada que estava por perto ficou em pânico.
Acalmei. Fomos levados para um salão amplo, com mulheres de um lado e homens do outro. Muitas horas depois, o camburão chegou para começar o transporte para os presídios, momento grave no qual tanto os homens quanto as mulheres choravam em desespero.
Entrei em pânico novamente, com as minhas pernas em formigamento; sentia aquilo subir pelo corpo. Os agentes de polícia gritavam por algum conhecido meu por ali. Não tinha! Fui sozinha para Brasília. Eu não conseguia respirar, me deitaram em cadeiras, mudei de cor e a minha língua ficou para fora.
Nesse estado de desespero profundo, uma patriota com quem e tinha conversado rapidamente aproximou-se e ficou comigo. Pediu para que orasse com ela, para conter a minha mente em turbulência, o Salmo 121 da Bíblia. Fui me concentrando nas palavras:
Levanto os meus olhos para os montes e pergunto: De onde me vem o socorro? Meu socorro vem do Senhor, que fez os céus e a terra. Ele não permitirá que você tropece; o seu protetor se manterá alerta, sim, o protetor de Israel não dormirá; ele está sempre alerta! O Senhor é o seu protetor; como sombra que o protege, ele está à sua direita. De dia o sol não o ferirá; nem a lua, de noite. O Senhor o protegerá de todo o mal, protegerá a sua vida. O Senhor protegerá a sua saída e a sua chegada, desde agora e para sempre.
60 DIAS NO PRESÍDIO
Em 12 de março fui solta após passar pelo Centro Integrado de Monitoramento Eletrônico (CIME), onde colocaram uma tornozeleira em mim e me repassaram uma série de orientações sobre as proibições que deveria seguir à risca para não voltar ao cárcere. Assim estou desde então, com liberdade restrita de sair apenas nos dias da semana e até às 19 horas. Nas segundas-feiras, tenho ido para o Fórum assinar. Sobram quatro dias, mas prefiro ficar dentro de casa.
Lembro que dentro do presídio vivemos o choro e o lamento dia e noite. Como fiz cirurgia no meu braço, não conseguia colocar os braços para trás, uma obrigação dos detentos, e ouvia os gritos constantemente das carcereiras. Mas o braço não ia mesmo. Fiquei com essa deficiência física após as lesões de trabalho. Lá dentro, deixei de tomar as medicações para tireoide, pois não nos forneciam. Vivemos o possível.
PERDA DE EMPREGO E DIREITOS TRABALHISTAS
Depois que sai da prisão, fiz seis meses de tratamento com psicólogo, pois não conseguia entrar em ônibus. Meu marido contratou um advogado por R$ 10 mil para fazer a minha defesa e pagamos parcelado, por termos poucos recursos. Perdi o meu trabalho na empresa multinacional, onde adquiri uma lesão por esforços repetitivos (LER) na época em que trabalhava como operadora de máquina impressora.
Meu histórico na empresa é complicado, porque fui demitida em 2015 por ter adquirido a LER e, depois de cinco anos de luta na justiça, passando por três instâncias, fui reintegrada e passei a trabalhar na montagem de notebooks. Em 2022, rompi o tendão do ombro e precisei passar por cirurgia, quando colocaram uma presilha, e iniciei fisioterapia. Eu estava trabalhando normalmente quando surgiu o convite para ir a Brasília e, com a minha prisão, a empresa me demitiu por justa causa. Com isso, perdi meu emprego, o plano de saúde e odontológico que eu pagava via sindicato e todos os direitos trabalhistas.
Meu Deus, como acreditar na ESTÓRIA de golpe com essas HISTÓRIAS bárbaras de truculência do Estado sob as “bênçãos” de um certo presidente? Que isso fique registrado nos anais da história como um dos dias mais vergonhosos – senão o mais vergonhoso – do ano de 2023: dia 9 de janeiro.
Tudo muito triste! Pessoas que não fizeram nada! Só estava se manifestando! A meses no acampamento sem fazer nenhuma quebradeira! Aproveitaram a oportunidade e colocaram uns infiltrados pra quebrar tudo e colocar nas costas do povo de bem! O povo brasileiro patriotas sabem da verdade! Os verdadeiros culpados.