Ana Maria Cemin com Pérola Tuon – 02/12/2025
O 8 de janeiro é um processo contínuo de punição, nunca encerrou e, do meu ponto de vista, atingiu o seu auge com o início da execução da pena do ex-presidente Jair Bolsonaro: 27 anos e três meses de prisão.
O 8 de janeiro provocou uma explosão de desinformações e debates apaixonados, verdadeiros obstáculos que impedem o desfazimento dessa grande crise humanitária que atinge famílias de opositores ao regime de Lula.
O chefe do Executivo está cada vez mais parecido com o venezuelano Maduro, o que não é nenhuma novidade: Lula afirmou na campanha eleitoral que seria mais “Maduro” em seu terceiro mandato (ou 5º, se pensarmos Dilma como sua pupila e súdita).
Voltando às confusões do 8 de janeiro.
Na Câmara Federal, temos em trâmite o Projeto de Lei 2162/23, de autoria de Marcelo Crivella (Republicanos), com a relatoria de Paulinho da Força (Solidariedade). No entanto, a anistia está travada após a discussão acalorada sobre se deveria ser ampla ou apenas redução de penas. Com isso, a votação segue sem data definida, dependendo de acordo político entre PL, Centrão e presidência da Casa.
No Senado, temos dois projetos em trâmite. Um deles mais antigo, o PL 5064/2023, de Mourão (Republicanos), que concede anistia ampla aos acusados e condenados pelo 8 de janeiro. Inclusive, ele está em consulta pública no portal e-Cidadania desde outubro de 2023 e, até hoje, mais de 1,7 milhão de pessoas já votaram, sendo que cerca de 58% são contra a proposta.
O outro projeto no Senado é o PL 5977/2025, de Carlos Viana (Podemos), conhecido como o “PL do Fim dos Exageros”. Não usa o termo “anistia”, mas revoga artigos da Lei 14.197/2021 (Lei de Defesa do Estado Democrático de Direito), o que, na prática, elimina crimes como golpe de Estado e abolição violenta do Estado Democrático de Direito, beneficiando Jair Bolsonaro e outros condenados. Viana argumenta que houve “interpretações penais distorcidas” e “punições desproporcionais” e que sua proposta corrige “excessos”.
ESCLARECIMENTOS
Pérola Tuon, uma das voluntárias do 8 de Janeiro que mais tem ajudado familiares e presos políticos desde os acontecimentos, seja com apoio humanitário e na formação de um banco de dados, tem compartilhado seu parecer.
Para Tuon, a direita está perdida na luta pela libertação dos presos políticos do cativeiro. Está imersa em devaneios que acabam impedindo a ação e, como consequência, o Brasil entra no terceiro ano do 8 de janeiro, com dezenas de manifestantes sendo condenados mensalmente a penas altíssimas. O 8 de janeiro nunca parou! A esquerda nunca parou com a perseguição e faz uso de legislação do Código Penal aprovada no governo anterior (de direita).
“Para começar os esclarecimentos, gostaria de desmentir o termo dosimetria que está amplamente divulgado, como sempre para causar confusão proposital na cabeça das pessoas.
A contraproposta para a anistia ampla não é dosimetria e, sim, a anistia parcial.
Também vale lembrar que nem o Mourão — que apresentou uma proposta igualmente parcial em 2023 — foi criticado, e o Carlos Viana também não. Muito pelo contrário: a proposta dele chegou a receber apoio institucional.
Se todas as alternativas apresentadas até agora são, por natureza, parciais, então não faz sentido essa discrepância de reações. Quando a sugestão vem de Crivella ou Paulinho da Força parece um afronta; mas quando a mesma ideia vem de Viana, aí tudo fica normal.
Essa incoerência só reforça que o problema nunca foi o conteúdo da proposta, mas sim quem a apresenta”, protesta Tuon.
De acordo com ela, o termo dosimetria é pejorativo e nunca foi usado no texto do PL 2162/2023, porque dosimetria é um ato técnico-judicial, individual, pós-sentença. Já a anistia total ou parcial (que pode ser chamada de redução de penas) é uma mudança legislativa, coletiva, pré ou pós-sentença, mas não um cálculo judicial individual.
“E sobre a anulação dos processos, outro tema polêmico e bastante cansativo, no momento é impossível anular processos, pois este é um mecanismo de competência exclusiva do Judiciário. Não temos Judiciário que nos apoie. Também não temos Executivo que nos apoie com indulto. Então só resta anistia pela via legislativa”, enfatiza.
Tuon continua a sua explicação fazendo a diferenciação entre as formas de clemência estatal: o poder Executivo concede a Graça (individual) ou Indulto (coletivo); o Legislativo concede a Anistia (coletiva); e o Judiciário a anulação de processos (individual).
LEI QUE CRIOU O GOLPE DE ESTADO
O senador Viana, quando propõe mexer nos dois artigos que criaram o Golpe de Estado e a Abolição Violenta do Estado Democrático de Direito (Art. 359-M e 359-L, respectivamente, da Lei 14.197/2021), está chamando seus pares do Congresso para corrigir um erro cometido pelo próprio Legislativo em 2021, que também foi sancionado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro.
Foi com base nesses dois artigos que se construiu a narrativa de um ataque à democracia brasileira e golpe de Estado, com respaldo no Código Penal. Antes de 2021 essa lei não existia e os brasileiros tinham liberdade de se manifestar sem que isso representasse risco à livre expressão política.
Lutar pela anistia de 8 de janeiro, sem olhar para as leis criadas com o propósito de limitar a manifestação popular, é correr o risco de ter outros 8 de janeiro no futuro. É preciso que a direita aprenda a olhar o conjunto do Congresso, desenvolva a capacidade de negociação e, principalmente, que compreenda definitivamente que a ação política não é “tudo ou nada”, mas ações contínuas e vigilância das liberdades e dos direitos dos cidadãos.
No meio de tanta confusão, estamos vendo a nossa vontade sendo usurpada por aqueles que, ao tomarem o poder, criaram um sistema de condicionamento no qual passamos a ter medo de tudo. Até mesmo da nossa própria sombra.
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