Ana Maria Cemin – 19/11/2025
Conheço Silvio Semprini, autoexilado, desde março desse ano, quando me procurou para contar a sua história. Fiz uma entrevista com ele e publiquei aqui no site. Você pode ler a história no final da carta que transcrevo aqui, onde ele coloca a sua grave situação de vulnerabilidade social na Itália, país que escolheu para viver após as perseguições do 8 de janeiro. Ele ouviu falsas promessas e está em risco de residir na rua, no intenso inverno Europeu.
A CARTA DE SEMPRINI, 19 DE NOVEMBRO
“Vivo em estado de indigência, num porão sem banheiro, chuveiro, tomada ou calefação mínima.
O inverno europeu se aproxima e, em alguns dias, serei obrigado a deixar esse abrigo insalubre, que me dá alguma proteção, para enfrentar a realidade fria do relento como morador de rua.
Que ironia.
E, como se já não bastasse estarmos sendo julgados e condenados por crimes que não cometemos, tenho ainda que conviver com julgamentos e narrativas plantadas, que se disseminam como rastilho de pólvora, sem que eu possa, mais uma vez, me defender justamente por aqueles que assumiram compromissos de apoio, sem levarem em conta a delicadeza do estado psicológico e físico que enfrento.
Houve até quem veio do Brasil dizendo que me daria a residência, mas, no final das contas, era só falácia. Não teve nem a hombridade de me visitar pessoalmente para dar-me uma explicação.
Tenho cara de palhaço?
Por que fazem isso?
Autopromoção? Oportunismo? Sadismo? Ou canalhice mesmo?


Cada qual que tire suas próprias conclusões.
Dia a dia, nesse um ano e meio longe da família no Brasil, dos quais seis meses na Argentina e onze meses na Itália, luto para conseguir sobreviver como posso, sem pedir nada, nenhum tostão e sem importunar ninguém.
E digo àqueles que dizem que isso é vitimização: vocês estão corretos.
Sou vítima, sim, e preciso de ajuda!
Eu e as famílias de mais de duas mil pessoas presas e exiladas pelo mundo somos todos vítimas, e garanto que nós não gostamos de sê-lo, mas, infelizmente, é assim.
E o descaso é imenso.
Ainda por cima, corremos o risco de pedidos ou processos de extradição, como é o caso de 60 brasileiros na Argentina. Destes, já havendo cinco exilados presos em Ezeiza, penitenciária de Buenos Aires, há mais de um ano. Ou os casos de Carla Zambelli e Eduardo Tagliaferro aqui na Itália, o que nos tira as poucas gotas de paz do nosso dia a dia.
Sou obrigado a ouvir de brasileiros “patriotas” daqui da Itália que, se houver pedido de extradição e eu for preso, também farão manifestação para mim.
Não, não é piada; é surreal! O cúmulo da falta de solidariedade e humanidade.
Aos críticos: já procuraram se colocar um minuto em nosso lugar?
Obviamente que não. Melhor pintar-se de verde e amarelo para fotos e vídeos para redes sociais, com seus microfones, gritos vazios e seus cartazes produzidos de última hora, mas que não passam de procura por engajamento em suas redes sociais. Afinal de contas, manifestação tem data, hora de início e fim. De preferência no final de semana, e melhor ainda se houver um político ou figuras de fama que aumentem exponencialmente o número de likes.
Incontáveis pessoas vivem às custas de todo o nosso drama e sofrimento, dizendo-se “patriotas”, juntando-se a um sem-número de blogueiros, youtubers e jornalistas “de direita permitida”.
Aos 62 anos, não consigo trabalho, vivo de organizações de caridade para comer e não tenho nenhuma ajuda ou recurso financeiro, como a grande maioria das famílias dos presos e dos exilados do 8 de janeiro. Faço parte do clube dos abandonados. Somos presos ou exilados, aqueles que são chamados de guerreiros e heróis pela frente, e bandidos, vagabundos e parasitas por trás.
Não temos nada nem ninguém ao nosso lado, a não ser alguns gatos pingados que ainda tentam nos defender.
Poucos se salvam entre políticos e advogados, e agradeço muito por esses poucos existirem, lutando por nós nessa batalha inglória contra esse sistema narcojuristocrata. E sei que o que aqui escrevo não lhes servirá de carapuça a ser vestida.
Nós lutamos para nos mantermos vivos e tentar manter intactas as únicas coisas que nos restam: a sanidade e a dignidade.
Somos degredados, párias, apátridas.
Não temos mais um passaporte, direito a voto, direito de ir e vir com liberdade, nem direito ao juiz natural, à ampla defesa ou ao contraditório.
Não podemos pisar mais em nosso país. Tivemos nossa cidadania e liberdade caçadas por simples manifestação de pensamento e por divergir do resultado de uma eleição com desfecho controverso.
Por isso nos taxam de terroristas e golpistas e, ao arrepio da Constituição, nos condenaram a todos pela ousadia de questionar e exigir explicações sobre a validade do resultado do pleito de 2022.
Armados apenas de fé e esperança, fomos traídos por quem jurou defender o povo e o país.
Fomos entregues por estes aos nossos algozes, que nos perpetraram a armadilha do 8 de janeiro, enquanto os culpados de verdade estão soltos, a rirem de nossas caras.
Nossos deputados e senadores, com raríssimas exceções, também nos traíram, ocupados demais com seus próprios interesses, conchavos e rabos sujos. Viraram as costas para nosso sofrimento, permitindo que milhares de pessoas, pais, mães, filhos, avôs e avós, pessoas simples e honestas, apodreçam no cárcere, condenadas com penas piores do que as impostas a autores de crimes hediondos.
Nossos filhos são órfãos de pais vivos.
Idosos acima de 60 e 70 anos foram condenados a penas de 14 a 17 anos de prisão sem provas. É o mesmo que condená-los à pena de morte.
Vários patriotas já se foram, deixando suas famílias desamparadas e seus filhos órfãos definitivamente.
Quantos mais precisarão morrer, senhores deputados e senadores?
Faço a pergunta também aos governadores democráticos.
Por que não falam mais de ANISTIA?
Por que não falam dos mais de 100 dias de censura e da prisão ilegal do presidente Jair Bolsonaro, a quem tudo devem?
A anistia ampla, geral e irrestrita é o remédio mínimo de que todos nós, do 8 de janeiro, precisamos. Mesmo que o correto seja a anulação de todos esses processos vergonhosos, tendenciosos, ilegítimos e ilegais.
A Constituição Federal nos GARANTE esse direito, já usufruído por 85 vezes na história do Brasil, inclusive beneficiando aqueles que hoje gritam “sem anistia”.
Não aceitamos DOSIMETRIA, termo criado por figuras nefastas, corruptas e sem caráter.
Não pode haver um peso e duas medidas.
Vários políticos que hoje nos negam esse direito são aqueles que, no passado, votaram a favor e fizeram valer a lei na Constituinte de 1988.
Michel Temer, ex-presidente, Geraldo Alckmin e até o descondenado ladrão. Hoje, usurpadores do Poder Executivo atual, também assim o fizeram, entre outros que parasitam e assombram a política nacional brasileira até os dias atuais.
A pauta e aprovação da anistia são de competência única do Poder Legislativo, e nenhum outro poder pode invadir essa competência, pois não está descrito na Constituição Federal que o Poder Judiciário pode impedi-la de ser transitada e votada ou declará-la inconstitucional.
A história julgará todos esses violadores de direitos humanos, seus apoiadores e aqueles que, tendo o poder de ficarem ao lado da justiça, fazem o papel de Pôncio Pilatos.
Serão lembrados um a um.
A Anistia é humanitária.
Cumpra-se!
Queremos voltar para nossas famílias, e, a cada minuto e dia que se passa, não vemos nenhuma perspectiva de retorno, pelo descaso daqueles que poderiam acabar com isso tudo e que nos tratam como moedas de troca em seu jogo imundo, dando a impressão de regozijarem-se em nossos quase três anos de sofrimento interminável.
Até quando?
Somos vidas, não mercadorias!
Reafirmo aqui que a ANISTIA AMPLA, GERAL E IRRESTRITA É CONSTITUCIONAL. NÃO ACEITAMOS A DOSIMETRIA DOS CANALHAS!
Nós e nossas famílias vivemos o 8 de janeiro todos os dias, e essas cicatrizes permanecerão para sempre.
A cada dia que passa, é um dia a menos no convívio em nossos lares e em nossas vidas, tempo esse que nunca será recuperado e que dinheiro algum no mundo trará alívio para nossas vidas.
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