
Ana Maria Cemin – 16/10/2025
O caso de Divânio Natal Gonçalves, 55 anos, preso injustamente há mais de seis meses, escancara as falhas grotescas do sistema judiciário brasileiro — e agora, também, o descaso institucional de uma unidade prisional que se recusa a cumprir uma ordem do Supremo Tribunal Federal.
Na terça-feira, 14 de outubro, o STF expediu o alvará de soltura de Divânio. Era para ser o fim de uma longa espera e o início da reparação de uma injustiça. Mas, mesmo com a ordem judicial em mãos, a Colônia Penal Professor Jacy de Assis, em Uberlândia/MG, simplesmente não cumpriu.
Desde então, a família de Divânio permanece na porta do presídio, aguardando a liberação que nunca chega. A unidade prisional se recusa a fornecer qualquer meio de contato — nem telefone, nem e-mail — para que os documentos sejam enviados oficialmente. A alegação informal é de que o processo pode levar de 5 a 10 dias, mesmo com todos os trâmites já concluídos pelo STF.
TORNOZELEIRA NA PRISÃO: O SÍMBOLO DO ABSURDO
Divânio foi preso em casa, à noite, em abril. Estava em casa exatamente no horário em que deveria estar recolhido, conforme medida cautelar imposta pelo STF. Usava a tornozeleira eletrônica, mas isso foi ignorado pelas autoridades que o levaram ao presídio, e lá permaneceu com o equipamento por mais de uma semana até que o presídio finalmente o retirasse.
A justificativa para a prisão? Que ele estaria foragido há sete meses e nunca teria cumprido as cautelares. No entanto, os documentos oficiais provam o contrário: ele comparecia semanalmente à Vara de Precatórios Criminais de Uberlândia, sob supervisão de um servidor identificado como Lucas — que, segundo a defesa, se recusava sistematicamente a fornecer comprovantes de presença, mesmo quando solicitados para fins trabalhistas.
ERROS EM SÉRIE: DO JUIZ AO SISTEMA
O STF havia solicitado esclarecimentos ao juízo local em fevereiro e agosto de 2024. Na primeira resposta, o juiz confirmou que não havia descumprimento. Na segunda, sem sequer consultar o sistema, afirmou que o réu nunca havia comparecido, o que levou à expedição do mandado de prisão.
A defesa anterior não respondeu à intimação, agravando o cenário. Mesmo assim, Divânio continuou cumprindo todas as medidas, sem saber que havia um mandado contra ele, até ser preso em 1º de abril.
Desde então, Divânio está impedido de trabalhar, de sustentar sua filha de seis anos e de exercer sua defesa com dignidade. A criança, segundo relatos, chora diariamente pela ausência do pai — o único provedor da família.
DOCUMENTOS IGNORADOS E DIREITOS VIOLADOS
A advogada criminalista Dra. Taniele Telles de Camargo Padoan assumiu o caso no início deste mês e, ao conversar com Divânio por vídeo e analisar os documentos, classificou a situação como uma “aberração jurídica” e agiu imediatamente para denunciar o que chamou de “crueldade institucional contra um cidadão inocente”.
Nos autos, há registros que comprovam que Divânio foi incluído no sistema de monitoramento eletrônico em 21/03/2023, com desligamento apenas em 02/04/2025, ou seja, após a sua prisão. A defesa aponta que não houve condenação definitiva e que a prisão preventiva foi usada indevidamente como antecipação de pena, o que é vedado pela Constituição Federal e pelo Código de Processo Penal.
DESCASO DO PRESÍDIO AGRAVA INJUSTIÇA
Mesmo após o STF ter enviado todos os ofícios necessários para a soltura de Divânio, e essa ausência de transparência e a demora injustificada levantam suspeitas de retaliação institucional, diante do erro grave cometido pelo juízo de Uberlândia. “Não bastou manter um inocente encarcerado por mais de seis meses. Agora, mesmo com a ordem de soltura, o sistema insiste em prolongar ilegalmente essa prisão”, denuncia a advogada.
QUANDO A JUSTIÇA FALHA, QUEM PAGA É O INOCENTE
O caso de Divânio expõe uma ferida aberta no sistema judiciário brasileiro: a criminalização sem prova, o desprezo pelo contraditório e a falha institucional que transforma cidadãos em reféns do próprio Estado. Agora, com a resistência do presídio em cumprir uma ordem do STF, a pergunta que ecoa é: por quanto tempo mais o juízo de Uberlândia manterá um inocente preso, mesmo após a Justiça reconhecer o erro?
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