
Ana Maria Cemin – 16/10/2025
Embora ninguém tenha ouvido falar, nenhum deputado ou senador tenha se manifestado, no dia 7 de outubro, refugiados políticos argentinos enviaram uma carta aos legisladores de direita, apelando para que não aceitem negociar a anistia. A carta foi entregue em mãos em Brasília e tem a autoria de Fabíola Rocha, Mônica Sodré, Viviane dos Santos, Alessandra Faria Rondon, Crisleide Gregório, Rosângela Ronconi, Wanderlei Cabral, Symon Patriota e Diego de Assis.
Publicamos a carta e, na sequência, realizamos uma análise do documento, visando aprofundar o entendimento de seu conteúdo e contexto.
“Argentina, 7 de outubro de 2025
Senhores Parlamentares,
Dirigimo-nos às vossas excelências como cidadãos brasileiros que hoje se encontram refugiados na Argentina. Viemos em busca de refúgio e proteção, mas fomos perseguidos e presos. Mais de 60 pedidos de extradição foram feitos pelo governo brasileiro. Estamos impedidos de renovar o documento de refúgio e, com isso, o nosso pedido de asilo político caducou. Cinco pessoas ainda estão presas há meses.
Segundo o ACNUR (Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados), ao solicitar asilo, a pessoa recebe um certificado de residência precária que a protege de prisão e garante sua permanência regular no país. No entanto, fomos presos e perseguidos.
Para quem quer que leia essa carta, peço que dedique um momento para ouvir as vozes silenciosas daqueles que perderam tudo. Não falo apenas de bens, mas de paz, segurança e liberdade. Falo de um grupo de pessoas — idosos que deveriam estar em seus lares, mães e avós que só queriam ver suas famílias crescerem em segurança — que tiveram que fugir do seu próprio país para não ser presos.
Somos pessoas comuns, sem prestígio político, mas que queremos ser ouvidos. Pessoas que só querem defender Deus, pátria, família e liberdade, mas somos ignorados.
Há mais de 220 brasileiros perseguidos políticos na Argentina em busca de refúgio, alguns com familiares, filhos menores, passando por várias necessidades. Estamos há quase dois anos aqui sem expectativas de quando retornaremos para nossas famílias. Muitos passaram privações inimagináveis: fome, frio, solidão, saudade e o abandono, que é o que mais dói.
Sabemos que há pessoas que lutam por nós diariamente e incansavelmente. Que Deus os abençoe.
Fugimos do nosso país por causa das perseguições políticas e do judiciário. Não somos criminosos. A maioria de nós nunca havia entrado em uma delegacia. E, no entanto, passamos meses em um presídio de segurança máxima, onde passamos por torturas e humilhações inimagináveis.
Fomos acusados de crimes que desconhecíamos existir. Fomos condenados sem julgamentos justos. Nossas prisões não foram frutos da Justiça, mas da arbitrariedade de um poder que teme a palavra livre e a consciência desperta.
Pedimos aos senhores que não negociem nossas vidas, que não façam acordos com desleais, que não aceitem nada menos do que uma Anistia Ampla, Geral e Irrestrita.
Queremos voltar para casa. Precisamos voltar para casa. Precisamos recuperar nossas vidas de volta.
Que a lembrança da injustiça nos fortaleça, que as prisões e o exílio nos recordem o valor da liberdade e que a Anistia nos inspire a preservar a democracia como conquista inegociável.
Que Deus sare a nossa nação.
Atenciosamente,
Presos políticos do 8 de janeiro”
ANÁLISE PONTO A PONTO
1. Refúgio e perseguição : “Viemos em busca de refúgio e proteção, mas fomos perseguidos e presos.”
- O refúgio deveria ser um espaço de acolhimento. A prisão de refugiados representa uma grave violação dos direitos humanos e da confiança depositada no país de acolhida.
2. Extradições em massa: “Mais de 60 pedidos de extradição foram feitos pelo governo brasileiro.”
- O uso da extradição como ferramenta política compromete o princípio da proteção internacional. É preciso garantir que nenhum refugiado seja devolvido a um país onde corre risco de perseguição.
3. Documentação bloqueada: “Estamos impedidos de renovar o documento de refúgio…”
- Sem documentação válida, os refugiados perdem acesso a direitos básicos, como saúde, moradia e trabalho. Isso os empurra para a marginalização.
4. Prisões prolongadas: “Cinco pessoas ainda estão presas há meses.”
- A detenção prolongada sem julgamento justo é desumana. O impacto psicológico é devastador, especialmente em contexto de exílio.
5. Violação das normas do ACNUR: “Recebe um certificado… que protege de prisão… No entanto, fomos presos.”
- A carta denuncia o descumprimento de normas internacionais. Isso exige atenção das autoridades argentinas e da comunidade internacional.
6. Vozes silenciadas: “Ouvir as vozes silenciosas daqueles que perderam tudo.”
- O exílio não é apenas físico — é também emocional. A perda da paz, da segurança e da liberdade é profunda e invisível.
7. Perfis vulneráveis: “Idosos… mães e avós…”
- A presença de pessoas vulneráveis entre os refugiados reforça a urgência de uma resposta humanitária. São vidas que não podem esperar.
8. Invisibilidade política: “Sem prestígio político, mas que queremos ser ouvidos.”
- A carta clama por reconhecimento. O silêncio institucional é uma forma de violência.
9. Crianças em risco: “Filhos menores, passando por várias necessidades.”
- Crianças em exílio enfrentam traumas, interrupção escolar e insegurança alimentar. A proteção da infância deve ser prioridade.
10. Privações extremas: “Fome, frio, solidão, saudade e o abandono…”
- O abandono é a ferida mais profunda. A ausência de apoio institucional agrava o sofrimento humano.
11. Perseguição judicial: “Fugimos… por causa das perseguições políticas e do judiciário.”
- A carta denuncia o uso do sistema judicial como instrumento de repressão. Isso compromete a legitimidade democrática.
12. Tortura e humilhação: “Presídio de segurança máxima… torturas e humilhações…”
- Tortura é crime contra a humanidade. A denúncia exige investigação internacional e responsabilização.
13. Julgamentos injustos: “Condenados sem julgamentos justos…”
- O devido processo legal é um pilar da democracia. Sua ausência revela arbitrariedade e abuso de poder.
14. Pedido de anistia: “Não aceitem nada menos do que uma Anistia Ampla, Geral e Irrestrita.”
- A anistia é apresentada como caminho para reconciliação e reparação. É um apelo por justiça restaurativa.
15. Desejo de retorno: “Queremos voltar para casa…”
- O retorno é mais do que geográfico — é simbólico. Representa a recuperação da dignidade e da vida.
16. Esperança e fé: “Que Deus sare a nossa nação.”
- Apesar da dor, há esperança. A fé é o que sustenta os exilados diante da injustiça.
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