
Ana Maria Cemin – 2/10/2025
Desde ontem à noite, a presa do 8 de janeiro Ana Flávia de Souza Monteiro Rosa, condenada a 14 anos pela Corte Suprema, sem direito a recurso, está cumprindo a pena em casa. Ela saiu do Presídio Colmeia, onde permanecia em regime fechado desde 6 de setembro do ano passado, e agora cumprirá a pena em regime fechado, porém em domicílio, em contato com os filhos e a mãe idosa.
A medida foi autorizada pelo ministro Alexandre de Moraes, que reconheceu a excepcionalidade da situação familiar da apenada, em especial do filho menor. A decisão ocorreu após uma série de manifestações da advogada de defesa Ana Caroline Sibut Stern e da Procuradoria-Geral da República (PGR), que inicialmente se posicionou contra o pedido, mas posteriormente passou a apoiar a concessão do benefício. Ana Flávia estava presa há 389 dias consecutivos e já havia ficado presa por 213 dias em 2023.
Relatórios psicológicos e documentos do Conselho Tutelar apontaram que o filho de oito anos de Ana apresenta sinais de instabilidade emocional, perda de peso, agressividade e dificuldades escolares, atribuídos à ausência materna. A criança estava sob os cuidados da irmã mais velha, que também enfrenta sobrecarga emocional e financeira, além de cuidar de dois filhos pequenos.
A defesa alegou que a presença da mãe é indispensável para preservar a saúde física e emocional do menor, argumento que foi acolhido pelo ministro relator. Embora o artigo 117 da Lei de Execução Penal restrinja a prisão domiciliar ao regime aberto, o STF reconhece, em jurisprudência consolidada, a possibilidade de flexibilização em casos excepcionais.
A decisão impõe uma série de medidas cautelares à apenada, incluindo o uso obrigatório de tornozeleira eletrônica, suspensão do passaporte, proibição de sair do país, de utilizar redes sociais e de manter contato com outros envolvidos no processo. As visitas ficam restritas a familiares diretos e advogados regularmente constituídos.
Ana Flávia deverá cumprir a pena em seu endereço residencial, sob monitoramento eletrônico, e qualquer descumprimento das condições impostas poderá resultar na revogação do benefício e no retorno ao regime fechado em unidade prisional. O alvará de soltura, com data de 30 de setembro, foi expedido com urgência.
A concessão da prisão domiciliar humanitária, aplicada também à presa política Débora Rodrigues dos Santos — que já cumpre a pena de 14 anos em domicílio, por decisão proferida em meados de setembro pelo ministro Alexandre de Moraes — reforça o caminho que os advogados de outras mães do 8 de janeiro devem seguir. Nos casos de Débora e Ana Flávia, o STF está compatibilizando a execução penal com os direitos fundamentais, especialmente pelo risco à integridade de crianças e adolescentes envolvidos indiretamente nas consequências da pena.
Ainda estão em presídios outras seis mães de menores e uma mãe de PCD:
- Camila Mendonça Marques, 37 anos, mãe de Clara (7 anos) e Vinícius (13 anos), está presa na Penitenciária de Criciúma, SC.
- Débora Chaves Spina Caiado, 44 anos, mãe de Kevin (9 anos), está presa na Penitenciária Feminina de Sant’Anna, São Paulo, SP.
- Edineia Paes da Silva dos Santos, 40 anos, mãe de Maria Eduarda (11 anos) e Vitor (21 anos), está presa na Penitenciária Feminina de Mogi Guaçu, SP.
- Jaqueline Freitas Gimenez, 43 anos, mãe de Samuel (8 anos) e Isabelle (11 anos), está presa na Penitenciária José Edson Cavalieri, MG.
- Josilaine Cristina Santana, 43 anos, mãe de João Lucas (10 anos), está presa na Penitenciária Estevão Pinto, MG.
- Juliana Gonçalves Lopes Barros, 35 anos, mãe de Eva (8 anos), David (10 anos) e João Guilherme (17 anos), está presa na UPR Feminina de Luziânia, GO.
- Lucinei Tuzi Casagrande Hilebrand, 55 anos, mãe de Renata (28 anos, PCD), está presa no Presídio Feminino João Pimenta da Veiga, MG.

A Dra. Ana Sibut relata que, no caso de Ana Flávia, ela era o alicerce da família. Após a sua prisão, os filhos ficaram desamparados. A filha de Ana Flávia teve um bebê recentemente, o que reforçou a necessidade de apoio familiar. “Desde maio venho construindo a defesa com base em laudos psicológicos e relatórios emitidos pelo Conselho Tutelar do Distrito Federal para demonstrar o impacto da prisão na estrutura familiar e conseguir a prisão domiciliar”, conta.
Sobre a possibilidade de abrir precedentes para outras mães de filhos menores, a advogada alerta que cada situação precisa ser bem fundamentada. “A lei prevê benefícios para mães de filhos menores de 12 anos, mas o STF exige justificativas concretas. Ou seja, não basta apenas alegar maternidade”, ensina. “Os advogados devem verificar o estado emocional e psicológico da criança, obter laudos de psicólogos ou psiquiatras, avaliar o rendimento escolar e conversar com a escola. Ou seja, construir um histórico que comprove a necessidade da presença materna.”
Observação: Os dados sobre as mães de menores que seguem presas foram fornecidos por Pérola Tuon, que tem desenvolvido um trabalho humanitário voluntário exemplar junto às famílias de presos políticos do 8 de janeiro, sendo parceira do trabalho jornalístico que desenvolvo.
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