
Ana Maria Cemin – 03/09/2025
Jorgeléia Schmoeler é de Juara, MT. Tem 46 anos e é casada com o mesmo homem que conheceu há 31 anos e por quem se apaixonou. Os dois não estão juntos neste momento, pois ele ficou no Mato Grosso enquanto ela partiu para o exílio. Todos os familiares de Léia residem em Juara, e ela é considerada a mentora da casa. “Cuido de todos”, diz.
No início de 2023, ela foi para Brasília com uma amiga. Foram de carro. Lá, na Praça dos Três Poderes, Jorgeléia fez um vídeo da chegada e divulgou no seu WhatsApp. E foi exatamente esse vídeo que acabou sendo usado contra ela.
“Fomos presas juntas no dia 18 de março de 2023, numa das Operações Lesa Pátria que ocorreu no Mato Grosso. Fui denunciada por alguém da minha cidade. Sou muito conhecida por lá — sou filha da cidade, meus pais e avós ajudaram a fundá-la”, relata.

Sobre Brasília e as Manifestações
“O vídeo usado para me denunciar foi gravado quando eu ainda estava bem longe da Praça dos Três Poderes. Quando finalmente chegamos ao local, já eram 3h53 no horário de Mato Grosso — ou seja, bem tarde, por volta de 5h na capital federal. Tudo já estava destruído. Ao nos aproximarmos, o que vimos foi um verdadeiro campo de guerra: pessoas feridas, crianças chorando com os rostinhos queimados pelos gases e pelas bombas. A cena era devastadora. Diante disso, decidimos voltar imediatamente para o hotel. No dia seguinte, bem cedo, retornamos para nossa cidade.
Exílio – Condenação a 14 anos de prisão
“O meu julgamento começou numa sexta-feira 13, dia 13 de junho deste ano. Saí de casa no dia 14, depois de cortar a tornozeleira eletrônica, e cheguei ao país onde estou exilada no dia 18. Estou há quase três meses fora de casa. Aqui no exílio é muito difícil. A vida é dura, o psicológico pesa. Meu pai está doente no Brasil, com pneumonia, enfisema pulmonar e câncer no pulmão. Isso me desespera e chego a pensar em voltar e correr o risco de ser presa só para estar perto dele, cuidar da família nesse momento tão dolorido. Já emagreci muito, assim como o meu marido. Aqui, divido um apartamento pequeno, minha amiga que foi presa comigo e condenada a 14 anos de prisão, como eu. Ela já está aqui há cinco meses”, relata.
Sobrevivência
“Aqui no exílio todos se apoiam. Quando cheguei, vim sem roupas e uma mulher me recebeu com muito carinho e me deu roupas de frio — coisa que no Mato Grosso não temos. Apesar de toda essa solidariedade, vejo que as pessoas se apegam a ilusões, com falsas esperanças, e isso é doloroso. Claro que é possível entender a necessidade de acreditar em algo para seguir vivendo, porque tem exilado que está há quase dois anos longe do Brasil. Estão no limite. Essa gente tem o olhar distante, triste. Alguns recebem visitas da família, outros não. Eu sei que os meus familiafres não conseguirão me visitar”, conta.
Expectativas
Quando Léia relata o apego às falsas expectativas de que logo voltarão para casa — esperanças que caem por terra — ela fala dela também, sem perceber. “A gente se apega a notícias, e quando elas não se concretizam, tudo desmorona. Lutamos por anistia, apesar de sabermos que não erramos. A anistia parece um perdão por algo que não cometemos. Porém, é a única forma de voltarmos para as nossas casas. E quem sabe, com um novo governo, tudo se revertá, e esse estigma que carregamos será removido. De qualquer forma, evito as redes sociais porque sou muito ansiosa. Mas o fato é que, quando surge uma “notícia boa”, compartilhamos entre nós e sorrimos e sonhamos com o retorno.”
Iniciativas
Para quem está longe de casa, contando os minutos para voltar ao Brasil, algumas ações ajudam a preencher o tempo e o vazio da desilusão cotidiana. Léia conta que estão preparando as camisetas que usarão quando a anistia sair. “Todos nós passaremos as fronteiras dos países onde nos encontramos com essa camiseta. Será a nossa vitória”, diz, entusiasmada com essa perspectiva.
Quando pergunto sobre a possibilidade de um exílio prolongado, Léia diz que não estava preparada nem para ficar um dia longe de Juara — quanto mais para ficar um, dois ou três anos fora de casa. “Mas não temos opção. Ou é isso, ou é voltar para a cadeia”, lamenta.
Experiência na Prisão
“Fui presa no Mato Grosso e chorei muito, porque quando não se pode falar, a gente chora. Foi humilhante. Fui levada de casa sem saber o que ia acontecer.
Quando cheguei à delegacia em Sinop, o delegado insistia que eu havia postado um vídeo nas redes sociais. Eu dizia que não. Ele mostrava o vídeo e dizia que estava lá. Lembro que eu não sabia como chamá-lo — doutor, policial… Ele disse: ‘Me chama de Flávio’. Antes de ser levada ao presídio Colider, que fica a mais de 400 km da minha cidade, ele me pediu que eu fosse forte, que não me deixasse abater pelo que viria a partir dali. Então nós duas, minha amiga e eu, fomos levadas para sermos fotografadas e fichadas. Já presa, quando precisei ir ao hospital, colocaram algemas nas mãos e nos pés”, relata.
Léia foi levada ao hospital sob escolta, com grilhões presos aos tornozelos — um dispositivo metálico conectado por correntes que limita os passos e impede movimentos rápidos. O peso das correntes e a rigidez do ferro tornavam cada passo lento e doloroso, como se o chão exigisse dela uma penitência adicional.
“Colocaram aquilo nas minhas pernas e nas mãos como se eu fosse uma ameaça”, relembra. O transporte foi feito em viatura oficial e, mesmo debilitada, ela foi exposta como criminosa, com os pés acorrentados e o olhar dos curiosos atravessando sua dignidade. O uso dos grilhões, comum em situações de segurança máxima, reforçava não apenas o controle físico, mas também o estigma que ela carregava — o de alguém que, mesmo sem julgamento, já era tratada como culpada.
“Numa outra situação, fui obrigada a varrer a frente da cadeia, com uniforme feio de presidiária, enquanto as pessoas passavam olhando como se fôssemos criminosas. Quando estava lá, perdi um tio num acidente e não pude me despedir. Passei a Páscoa com ele antes disso. Tenho uma tia lutando contra o câncer. Meu pai também está doente”, desabafa.
“Fiquei presa por 94 dias e, no primeiro mês, fiquei em isolamento com a minha amiga. Depois, nos ofereceram trabalho na cadeia. Começávamos às 7h e íamos até às 17h. Nesse grupo de trabalho, éramos sete presas. Ela conta que dentro do presídio, muitas pessoas foram gentis e fizeram com que aqueles dias fossem menos dolorosos.
Publicar comentário